Economia

‘Se o Banco Central não atuar, a conta dessa bagunça será a alta de juros’

A disparada do dólar não reflete a realidade, afirma o economista André Perfeito, e pode prejudicar o próprio mercado financeiro brasileiro

O economista André Perfeito. Foto: Divulgação
Apoie Siga-nos no

O Brasil está diante de um movimento especulativo que pressiona a disparada do dólar, com elementos que se reforçam mutuamente. Contra isso, é necessária uma reação do Banco Central a fim de evitar consequências danosas ao País, como uma elevação ainda maior na taxa de juros. A avaliação é do economista André Perfeito.

“Dá para falar de um ataque, não como um ato de vontade deliberada por parte de meia dúzia de pessoas sentadas na Faria Lima, mas porque um conjunto elementos que estão se retroalimentando”, defende o economista, em entrevista a CartaCapital. “Isso foi levando a situação para a seguinte ordem: quanto mais o dólar sobe, mais necessariamente as expectativas vão piorar.

Em 2024, o avanço do dólar sobre o real é de quase 17%. Nesta quarta-feira 3, porém, a moeda americana fechou em queda de 1,71%, cotada a 5,56 reais, à espera de uma reunião entre o presidente Lula (PT) e os ministros Fenando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos).

O presidente e os ministros devem se debruçar sobre possibilidades para corte de gastos. O objetivo é cumprir as regras do arcabouço fiscal neste ano e nos próximos.

Haddad e Lula se encontraram na manhã desta quarta, no Palácio da Alvorada, fora da agenda oficial. Ao que tudo indica, foi uma prévia da agenda desta tarde. Para tentar conter o aumento do dólar e evitar uma pressão sobre a inflação, o ministro defende “acertar a comunicação, tanto em relação à autonomia do Banco Central quanto em relação ao arcabouço fiscal”.

As convicções do presidente sobre como equilibrar receitas e despesas, contudo, encontram forte restrição no mercado financeiro, enfatiza Perfeito. “A proposta do Lula desde o início foi colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda. Aparentemente, a Faria Lima não está topando esse tipo de ajuste. Está falando: ‘olha, se você quer fazer o ajuste, tem de ser no lado do corte do gasto.

Leia os destaques da entrevista.

CartaCapital: A alta do dólar vem de ataque especulativo, cenário externo negativo ou responsabilidade do governo?

André Perfeito: As moedas emergentes, de forma geral, sofreram ao longo deste ano por conta de uma persistência dos juros mais elevados nos Estados Unidos. Ao ficarem mais altos os juros nos EUA, o dólar fica mais forte. Adicionalmente, o fato de os juros persistirem por mais tempo do que se imaginava faz com que algumas commodities caiam. O Brasil ainda está com saldo comercial positivo, mas fica menos pungente. Isso acaba atrapalhando não só o Brasil, mas, por exemplo, o peso chileno chileno, que tem sofrido tanto quanto o real ao longo de 2024.

Por outro lado, existem questões que nitidamente nossas. Dá para falar de um ataque especulativo, qualificando esse ataque não como um ato de vontade deliberada por parte de meia dúzia de pessoas sentadas na Faria Lima, mas no sentido de que há um conjunto grande de elementos que estão se retroalimentando.

O mercado errou no passado, erra agora e talvez vá errar depois

Esse movimento atual começou com uma desconfiança a respeito da dinâmica fiscal e também por parte do Banco Central de sinalizar que existem dúvidas sobre a própria autoridade monetária. Campos Neto fez algumas falas nesse sentido. Aí começa o jogo, que gerou outra rodada de apontamentos e críticas por parte do Planalto.

Isso foi levando a situação para a seguinte ordem: quanto mais o dólar sobe, mais necessariamente as expectativas vão piorar. Mesmo alguém não tão preocupado com a situação está sendo obrigado a virar a mão. Essa é a ideia do ataque: está todo mundo virando a mão.

CC: Ao olharmos para a economia real, há bons indicadores…

AP: Sim, e é por isso que eu entendo ser um ataque. O ataque tem a ver com uma dinâmica de ativos financeiros que não guardam necessariamente relação com a realidade. E meu receio não é nem em relação ao governo, mas de o mercado se machucar de novo.

O mercado financeiro tem errado bastante desde que Lula entrou. No começo de 2023, qual era a discussão na Faria Lima? “Não vai cortar a taxa de juros”. Aí, começou a ter uma briga entre Lula e Campos naquela época. Só que o Banco Central começou a cortar a taxa de juros, e o mercado errou. No fim de 2023, quantos economistas de mercado disseram “agora a Selic vai para 8%”? Erraram de novo. Agora estão falando em manter essa taxa de juros – daqui a pouco vai começar a discussão sobre se vai subir ou não a taxa – e vão errar de novo.

Pede-se, entre outras coisas, que se desvincule saúde e educação, os pisos nacionais. Nem os Bolsonaro defendem isso publicamente

O mercado errou no passado, erra agora e talvez vá errar depois, porque qual é a situação que está se armando? De o Brasil ter de subir a taxa de juros e, de repente, a atividade econômica brasileira minguar por conta das enchentes no Rio Grande do Sul. Ou o Brasil ter de subir a taxa de juros e os EUA começarem a cortar a taxa de juros lá fora. Isso pode machucar todo mundo de novo.

Não é bom o mercado financeiro não saber para onde ir, um rio desgovernado vai destruir tudo que estiver no caminho. Tem de colocá-lo de volta em uma calha.  O ministro Fernando Haddad tem se esforçado muito em cumprir esse papel de conciliar as pontas todas.

CC: O que o mercado espera de fato ouvir do governo?

AP: Não existe uma bala de prata, mas há coisas que podem ser feitas. Os simples rumores de uma eventual intervenção estão fazendo o dólar cair. O Banco Central tem de fazer é leilão. Não para levar o câmbio a 5 reais, mas para avisar ao mercado: “Vocês querem levar esse câmbio até 6 reais? Não tem problema, vamos fazer isso de forma organizada. Quem quiser pode vir comprar aqui comigo”.

Adicionalmente, acho que o Banco Central deveria começar a dizer que esse câmbio a 5,70 talvez não guarde tanta relação com a realidade. Se o Banco Central atuar agora, vai ser melhor. Se ele não atuar, a conta dessa bagunça toda vai ser a alta de juros. Um câmbio batendo lá em 5,70 ou mais alto, necessariamente, vai fazer com que os modelos dos economistas piorem as projeções de inflação.

A discussão sobre a dinâmica fiscal no Brasil ficou muito truncada. O governo vai querer perseguir resultados fiscais mais positivos, mas a proposta do Lula desde o início foi colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda. Aparentemente, a Faria Lima não está topando esse tipo de ajuste. Está falando: “olha, se você quer fazer o ajuste, tem de ser no lado do corte do gasto, não nesse tipo de posição de tirar os gastos tributários”. Pede-se, entre outras coisas, que se desvincule saúde e educação, os pisos nacionais. Nem os Bolsonaro defendem isso publicamente. Por que o Lula teria que defender isso em ano eleitoral?

CC: Chegou, então, o momento de o BC intervir com um leilão de dólares?

AP: Não acho, de forma alguma, que leilão por si só resolve – e nem vender dólar à vista. É preciso estancar um pouco essa febre e dizer: “Nós no Banco Central entendemos que a situação não está favorável, mas dado o nosso nível de reserva, dada a entrada de dólar, também não achamos que seja para tanto”. Isso se soma a alguma coisa que vai sair hoje da reunião de Lula com os ministros, que deve dar um freio de arrumação nisso. Quer dizer que o câmbio vai para 4,30 reais? Não, infelizmente, mas até poderia ir.

CC: Lula deveria antecipar o nome do sucessor de Campos Neto, cujo mandato termina em dezembro?

AP: Não. Se ele antecipar qualquer nome, vai tirar autoridade do Campos Neto. Aí Campos Neto, se é verdade que ele está mais belicoso com Lula… Ferrou de vez.

Já ouvi falar de Arminio Fraga, Henrique Meirelles, André Lara Rezende, todo mundo aventa nomes para tudo que é lado. A minha opinião é a seguinte: tem de escolher entre os diretores atuais, porque isso dará uma ideia de continuidade. Falo isso para defender a independência do Banco Central.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo