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Alexei Navalny: um blogueiro agitador aposta na alma russa

Condenado à prisão por uma acusação forjada e depois libertado, agora é candidato a prefeito de Moscou; talvez o “Sr. Limpeza” não seja tudo o que parece

Navalny faz discurso em 8 de agosto, durante campanha para prefeito de Moscou
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Por Peter Beaumont

Na semana passada, Alexei Navalny, o recém-condenado blogueiro de oposição russo, advogado e candidato a prefeito de Moscou, postou um artigo provocador em seu site. Era uma carta aberta endereçada ao atual prefeito de Moscou, Sergei Sobyanin, acusando-o de autorizar o furto de faixas pró-Navalny dos conjuntos habitacionais do município. “O senhor poderia por favor responder a minha pergunta?”, disse Navalny, 37, rispidamente. “Por que o senhor, juntamente com seus trabalhadores migrantes das empresas de serviços municipais, roubam as faixas de Navalny das sacadas dos moradores que as instalaram?”

Como declaração, foi elucidativa em mais de um aspecto. Esclareceu o estilo de confronto que caracterizou a rápida ascensão de Navalny como um dos mais visíveis adversários de Vladimir Putin e seu círculo mais próximo. Mas também, ao referir-se a “migrantes”, sugeriu por que alguns abrigam profundas suspeitas sobre as credenciais liberais de Navalny. Além de tudo isso, há o próprio fato de que Navalny, que foi condenado em julho a cinco anos de prisão sob a acusação forjada de “roubar” uma floresta na região de Kirov, está livre de tudo e é capaz de disputar contra Sobyanin.

Sobre esse último ponto intrigante, há muitas teorias, algumas conspiratórias e outras meramente pragmáticas. A pena por corrupção, da qual Navalny está apelando, o impediria de ocupar cargo público, caso seja mantida. Suas chances de vencer Sobyanin, em todo caso, parecem remotas, segundo as pesquisas de opinião.

Uma teoria plausível é que Navalny foi libertado sob fiança a pedido da promotoria – e portanto com a aprovação do Kremlin – porque Sobyanin, depois de convocar uma eleição imprevista para um dos cargos públicos mais importantes depois da presidência, exigia uma derrota verossímil da oposição para reivindicar um verniz de legitimidade.

Outra teoria cita um racha entre a elite do Kremlin sobre o que fazer com o problema de Navalny entre os siloviki – os poderosos burocratas da segurança russa – e um grupo mais pragmático de estrategistas políticos que afirmam que a política de processar os adversários do presidente Putin, incluindo alguns mortos, como Sergei Magnitsky, é ruim.

Seja qual for a razão real, pelo menos por enquanto o advogado carismático e bonitão, que reuniu capacidade e mídia social, charme pessoal e uma crítica acentuadamente populista à corrupção no Kremlin, teve uma plataforma proeminente presenteada por Putin e seus aliados. Se essa é uma estratégia arriscada para o Kremlin em longo prazo, é porque abriu um espaço político que poderá ser difícil de fechar.

O slogan mais marcante de Navalny, acusando o partido Rússia Unida de Putin de ser um “partido de ladrões e bandidos”, foi, como ele admite, um lapso –  proferido durante uma entrevista na rádio antes da polêmica eleição parlamentar de dezembro de 2011, que muitos consideram marcada por fraude eleitoral. De sua parte, Putin evitou com empenho referir-se a Navalny pelo nome, sugerindo que talvez tenha consciência do potencial político do blogueiro.

Depois de cometer seu “lapso”, Navalny organizou uma pesquisa em seu blog: “Você considera que o Rússia Unida é um partido de ladrões e bandidos?” Sim, disseram 97% dos 40 mil participantes. “Desde o início, estava claro que a eleição seria injusta”, disse Navalny, “mas eu realmente queria saber se era possível causar um dano significativo ao Rússia Unida por meio de uma campanha na interne”.

Foi a eleição de 2011 que deu a Navalny alta visibilidade nos cenários doméstico e internacional, pois ele se tornou um para-raios dos protestos de massa que se seguiram, levando a sua primeira detenção de duas semanas.

Acostumado a atrair algumas centenas de pessoas para seus comícios, o primeiro grande em Moscou depois daquela eleição teve cerca de 100 mil participantes. No ano seguinte Navalny foi coroado, quando a oposição elegeu seus próprios líderes. Ficou no topo de uma votação online em que 81 mil votos foram recebidos.

Foi o auge dos “fitas brancas” da oposição; a campanha para prefeito de Navalny desde sua libertação sob fiança lutou para atrair tais multidões. Fotos publicadas em seu blog sugerem comícios com a presença de algumas centenas de pessoas, parecendo confirmar alegações de que a oposição perdeu parte de sua força, pelo menos nas ruas.

Mas Navalny, desde que surgiu como ativista político há 13 anos, tendeu a florescer distante das convenções da política de oposição da Rússia, excluído, como foi por uma ordem não declarada, da televisão estatal. Rejeitado pelos aliados do partido de Putin como um “autopublicitário sujo”, e como um “hâmster das redes sociais”, ele respondeu publicamente em 2011: “Sim, sou um hâmster das redes sociais, e vou morder a garganta desses bandidos!”

É exatamente seu estilo agudo, sarcástico, zombeteiro que encantou os muitos seguidores jovens de Navalny. Enquanto a Rússia se beneficia de um boom de petróleo e gás, diz sua mensagem, apenas alguns corruptos enriqueceram com essa nova fortuna. Ele realizou suas campanhas online com vigor e humor destemidos, insistindo – com sangue frio mesmo enquanto ouvia sua sentença – em que não temia as consequências.

Embora tivesse se envolvido em ativismo político antes, no partido liberal Yabloko, foi o lançamento em 2008 do blog de Navalny, detalhando a corrupção nas instituições estatais, que lhe deu proeminência. Também lhe permitiu lançar o fundo que sustentou suas iniciativas. Outra novidade, em um país onde pesquisas recentes sugerem suspeitas sobre o partido governante de Putin e sobre a oposição, é que Navalny não é manchado pela associação ao poder nos anos 1990. Como comentou Julia Ioffe, uma perspicaz analista da política russa moderna, Navalny chegou com uma oferta nova.

“Navalny compreendeu que Putin não era o principal problema da Rússia. O problema era sobretudo a cultura pós-soviética de cobiça, medo e cinismo que Putin encorajou e explorou”, ela escreveu na New Republic. “Navalny afastou-se cuidadosamente dos liberais estridentes da velha guarda, amigos dos ocidentais – ‘massa infernal, insana, louca, de restos de comida e migalhas de pão do movimento democrático dos anos 80’, ele os chamou – que simplesmente participaram do culto à personalidade de Putin ao inverso.”

No centro de sua mensagem há um pedido de eleições livres e justas, a ideia de que não há uma disposição original russa que incline o país à corrupção política e financeira. É um apelo tanto aos que escolheram o caminho fácil da neutralidade apolítica quanto contra a máquina de Putin no Kremlin.

E o sucesso de seu blog, como Navalny indicou, teve tanto a ver com o que a mídia russa não relatava quanto com o que ele noticiava. É um tema recorrente. Navalny afirma que não é necessariamente mais popular, só que outros – notadamente Putin – são cada vez menos. Apesar dos comentários às vezes autodepreciativos – em acentuado contraste com a ridícula automitificação de Putin –, resta inquietação sobre o que Navalny realmente representa, além dos comentários cáusticos e da personalidade fria.

A referência a “migrantes” – no caso, usbeques e asiáticos – em sua carta aberta a Sergei Sobyanin não foi um lapso isolado. Enquanto sua visão de uma futura Rússia muitas vezes tem contornos vagos – como um nebuloso “vasto Canadá metafísico” –, foi infundida de uma variedade forte de nacionalismo, às vezes xenófobo. Em uma entrevista à Rádio Europa Livre, ele falou sobre sua “agenda realista” para desenvolver políticas que evitarão o conflito étnico, incluindo o combate à imigração ilegal e às gangues de base étnica e em levar ordem ao norte do Cáucaso.

Apesar de ele ter rejeitado com ardor as alegações feitas por Engelina Tareyeva, uma ex-colega no Yabloko, de que usava habitualmente “comentários raciais”, alguns deles passaram perto. De fato, ele apareceu em comícios ao lado de nacionalistas radicais, incluindo skinheads, e foi visto em um vídeo onde parecia comparar os caucasianos a “baratas”.

Tudo isso leva a uma pergunta: qual o futuro de Alexei Navalny?

Mesmo que, como se espera, ele perca a disputa para prefeito de Moscou, alguns especulam que está de olho em um prêmio maior em longo prazo: a própria presidência, o que poderia explicar seu flerte ao voto nacionalista. E Navalny também vê a virtude de ser processado em tribunais e até preso. Falando depois de seu primeiro breve período na cadeia em 2011, ele disse: “Minha detenção me fez bem. As pessoas que não me apreciavam muito antes, agora sentem pena de mim”.

Talvez isso explique sua estranha despreocupação sobre a perspectiva de cinco anos na prisão. Este é um país onde um cadáver pode ser condenado, uma banda punk sentenciada a trabalhos forçados; onde eleições são manipuladas e adversários do presidente, habitualmente condenados, por isso investir em tempo na cadeia pode ter mais sentido para um aspirante político de olho em um alto cargo, pós-Putin, do que discursar em comícios.

O DOSSIÊ NAVALNY

Nascido Alexei Anatolievich Navalny em 4 de junho de 1976. Cresceu em Obninsk, a 100 quilômetros de Moscou. Estudou direito na Universidade da Amizade dos Povos da Rússia.

Melhor momento. Em fevereiro de 2011, em uma entrevista no rádio, Navalny fez uma crítica ao partido Rússia Unida de Vladimir Putin que galvanizou a oposição, chamando-os de “bandidos e ladrões”, frase que entrou no léxico político russo.

Pior momento. Sua condenação sob acusações forjadas a cinco anos de prisão por “roubar uma floresta”, embora a condenação possa ter-se tornado uma bênção para sua carreira política.

O que ele diz. “Às vezes, parece que há um roteirista maluco sentado no Kremlin e de vez em quando, do nada, ele decide enaltecer um político ou outro. Na verdade, minha detenção me fez bem – as pessoas que não me apreciavam muito hoje sentem pena de mim.”

O que eles dizem. “Ele é o único homem capaz de pegar todas as figuras da moda e colocá-las na rua. É uma pessoa capaz de derrotar Putin, se o deixarem.” – Anton Nikolayev, um seguidor, diante do tribunal, citado pelo New York Times.

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