Mundo

Assentamentos de Israel e o descrédito frente à comunidade internacional

A campanha de boicote a determinadas empresas ganha força, mas não no Brasil

Garoto palestino e soldado israelense em frente ao muro, do lado palestino da barreira
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A ONU declarou 2014 o Ano de Solidariedade com o Povo Palestino. Ao observar a dificuldade nas negociações de paz, a Palestina precisa mesmo de toda ajuda internacional. A esfera econômica pode oferecer um apoio mais eficaz na demanda palestina por justiça e autodeterminação. 2014 se apresenta como o ano de redução drástica dos fluxos financeiros globais que sustentam o projeto de assentamento israelense ilegal que coloniza as terras palestinas.

O segundo maior fundo de pensão holandês anunciou, em de 9 de janeiro, a decisão de alienar as suas ações estimadas em dezenas de milhões de euros nos bancos israelenses devido ao envolvimento deles no financiamento de assentamentos ilegais. Desde o dia 1º de janeiro, as diretrizes da União Europeia que visam impedir a concessão de fundos e empréstimos para beneficiar os assentamentos estão em vigor. As diretrizes proíbem, entre outros, o Banco de Investimentos Europeu, que forneceu quase 1 bilhão de euros para entidades israelenses desde 1981, de financiar qualquer um dos principais bancos de Israel.

Empresas israelenses e internacionais também estão no alvo

A Sodastream, uma empresa proveniente dos assentamentos, cujas máquinas de gaseificação caseira são construídas nas terras palestinas ocupadas e podem ser encontradas também nas lojas “Spicy” do Brasil, estão enfrentando campanhas de boicote em toda a Europa e também nos EUA. Devido às baixas vendas, declararam este ano a sua pior estreia anual desde sua oferta pública inicial no 2010. O Reino Unido e Holanda emitiram em dezembro um alerta para que as empresas desses países não incentivem ou apoiem relações comerciais relacionadas ou que beneficiam o empreendimento dos assentamentos israelense. Consequentemente, a empresa pública de água holandesa Vitens cancelou sua cooperação com a Mekorot, empresa nacional de água de Israel que revende água palestina para os assentamentos. A imprensa israelense relata que Romênia e China estão em disputa com Israel para garantir que seus cidadãos não estejam envolvidos na construção dos assentamentos.

Corporações internacionais também estão perdendo dinheiro por causa de seus negócios com a colonização israelense. No dia 9 de janeiro, a multinacional francesa Veolia perdeu um contrato de 4,26 bilhões dólares para um serviço de transporte público em Massachusetts (EUA), após ativistas locais organizarem uma campanha que durou dois anos e meio. Isto segue a alienação de mais de 1,2 milhões de dólares em ações da Veolia pelo gigante fundo de pensões norte-americano TIAA-CREF. A Veolia perdeu contratos no valor de mais de 22 bilhões de dólares no mundo inteiro. A Veolia e Alstom são os dois parceiros internacionais do projeto metroferroviário israelense que está fornecendo viabilidade para os assentamentos na Jerusalém ocupada.

A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) abriu na semana retrasada uma investigação contra G4S, a empresa de segurança interna anglo-dinamarquesa por seu envolvimento nos postos de controle israelenses, partes integrantes do Muro e no sistema prisional. Apenas alguns meses antes, a primeira empresa latino-americana foi afetada, quando o banco norueguês Nordea desinvestiu quase 5 milhões de dólares da mexicana Cemex devido à extração de recursos naturais que a empresa realiza no território palestino ocupado.

O corte de recursos como única linha de ação viável

Estas medidas não foram tomadas do dia para a noite. Um momento chave foi a decisão de 2004 do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre a construção do Muro de Israel. Além de definir que o muro é ilegal, o Tribunal de Justiça sublinhou a obrigação de a comunidade internacional não reconhecer, dar auxílio ou assistência ao Muro, os assentamentos ou outras violações israelenses das normas imperativas de Direito Internacional. Com base nisso, exatamente um ano depois, em 2005, a sociedade civil palestina emitiu o pedido de boicote, desinvestimento e sanções contra Israel até que acabe com tais violações que incluem, mas não se limitam, as questões dos assentamentos e o Muro.

Dez anos após a decisão do TIJ, a construção do muro ilegal, que aprisiona a população palestina em suas áreas residenciais, continua. Israel construiu ou aprovou 32 mil unidades de assentamentos apenas em 2013. As negociações de paz conduzidas pelos EUA estão previsivelmente em um beco sem saída. O fato de Israel usar o tempo das negociações somente para cimentar uma solução do tipo Bantustão, à la apartheid da África do Sul, torna a existência do Estado palestino impossível, situação que forçou a equipe de negociação palestina a se demitir em novembro.

Isso contribui significativamente para deixar um corte de recursos internacional para os assentamentos e o projeto apartheid de Israel como a única linha de ação viável. Justamente, Tzipi Livni, primeira-ministra de Israel durante o massacre de Gaza em 2008/9 e atual ministra da Justiça, tenha tido razão ao advertir, na semana passada, que “o boicote está se movendo e avançando de maneira uniforme e de forma exponencial. Aqueles que não querem vê-lo vão acabar sentindo-o.”

Como relata o Financial Times, por enquanto as autoridades israelenses ainda esperam ter uma saída para isso: “Israel está expandindo seus laços econômicos com a China, Índia e países da América Latina, enquanto as tensões políticas aumentam com a UE, o seu maior parceiro comercial.” No Brasil e na América Latina, capitais e contratos ainda fluem para Israel sem nenhuma consideração com o Direito Internacional, os Direitos Humanos ou mesmo com os compromissos políticos, tais como o reconhecimento do estado palestino nas fronteiras de 1967. Produtos provenientes dos assentamentos entram sem limitação.

Instituições governamentais assinam contratos e promovem o comércio com Israel sem alertar ou discutir minimamente as implicações políticas e os riscos jurídicos e econômicos envolvidos. No marco do projeto de cooperação Brasil-Israel, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) e o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) acabam de financiar um projeto de pesquisa e desenvolvimento com a israelense Elbit e sua subsidiária no Brasil, a AEL. A Elbit é uma das maiores construtoras do Muro e vende “armas testadas em batalha” desenvolvidas na guerra cruel contra o povo palestino. Por isso, mais de dez fundos e bancos já desinvestiram da empresa e o relator especial da ONU recomendou boicotá-la.

O Ministério das Relações Exteriores palestino escreveu no ano passado para uma série de governos de todo o mundo, incluindo o Brasil, pedindo-lhes para trabalhar a fim de terminar investimentos e atividades que apoiem o projeto de assentamento israelense. Esperamos que esta carta encontre a resposta certa.

Na medida em que o mundo teve de despedir-se de Nelson Mandela, o símbolo da luta da África do Sul contra o apartheid, um novo movimento anti-apartheid está preparado para levar a uma outra mudança histórica.

*Maren Mantovani é mestre em Estudos Orientais e coordenadora de Relações Internacionais da ‘Stop the Wall’, a campanha palestina contra a construção de um muro entre Israel e a Palestina

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