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Bachaqueros: a nova profissão da escassez na Venezuela

Com distribuição deficiente e preços controlados pelo governo, a cesta básica vira contrabando

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*De Caracas

María Chinoa Rodríguez mudou de vida quando menos esperava. A venezuelana de 35 anos trabalhava havia sete anos em uma loja de celulares ganhando um salário de 4 mil bolívares (equivalente a 400 dólares no câmbio oficial e 4 dólares no câmbio paralelo) por 4 horas de trabalho diárias. Foi demitida em dezembro e conviveu com o fantasma do desemprego por dois meses. Até que se rendeu a uma atividade cada vez mais rentável: decidiu ser bachaquera, ou seja, contrabandista que revende produtos da cesta básica, como farinha, açúcar e pasta de dente, por até 1.600% a mais que o preço regulado pelo Estado.

Diante da escassez que castiga a Venezuela, os produtos com preço regulado são raros, mas continuam essenciais ao dia a dia do venezuelano. Em resposta à mão de ferro do governo para controlar a mão invisível do mercado que imporia o preço “real” aos itens básicos, os bachaqueros conseguem o que poucos mercados têm e surgem em uma cadeia que envolve produtores, importadores e forças de segurança responsáveis pela logística de distribuição de alimentos e itens de asseio pessoal.

“Apesar de a moeda venezuelana hoje não valer nada, consigo tirar por mês de 50 mil a 70 mil bolívares”, conta María, que combina as vendas por WhatsApp e entrega os produtos onde for melhor para os 50 clientes fixos que possui. São mais de cem mensagens diárias de venezuelanos interessados nos produtos vendidos pela caraquenha que vive em José Felix Ribas, no Petare, em Caracas, com a filha de 7 anos e o marido.

María oferece arroz, macarrão, farinha, feijão, óleo, sabonete, xampu, desodorante, fralda e pasta de dente. Chega a vender 60 quilos de arroz por semana e outros 60 quilos de farinha. Suas fontes são variadas: alguns produtos vêm de cidades interioranas como Acarigua, outros são obtidos nas rotineiras filas de supermercados.

Quando decide comprar produtos a preços justos, ela inicia a jornada no dia anterior. Sai de casa às 19 horas, marca seu lugar em uma fila, vai para outra onde também reserva a sua posição, e faz o mesmo em uma terceira. “Eu me camuflo porque os guardas e caixas já ficam de olho em mim”, conta.

Volta para casa por volta de meio-dia, depois de passar a madrugada em filas, com dois itens de cada mercado. Os produtos que consegue na maratona das filas são revendidos por preços muito distantes da regulação do Estado. Se compra um desodorante por 500 bolívares, o revende por 3 mil bolívares. Já 1 quilo de arroz que sai por 120 bolívares pode ser revendido até por 2 mil bolívares.

Envergonhada ao contar o que faz, ela explica que se preocupa em não ter como alimentar a filha: “Bachaqueros sempre existiram. Vendiam gasolina na fronteira com a Colômbia. A diferença é que agora vieram para a capital”. A crise obrigou todos a serem um pouco bachaqueros. “Muitos fazem isso para complementar a renda.”

Pesquisa do instituto Datanálisis mostra que mais de 50% dos venezuelanos compram de bachaqueros. A palavra vem de bachaco, formiga tanajura, que corta pedaços de folhas para trazer para seus ninhos. Os bachaqueros fazem jus ao nome: são como formigas em meio a uma crise na qual escassez, inflação e polarização afundam o país. 

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