Mundo

Cansados da miséria crônica, haitianos buscam nova vida no Brasil

Com desemprego que atinge 70% da população, perspectivas são escassas no país caribenho

Haitianos se aglomeram em frente ao prédio onde estão embaixada e consulado brasileiro em Porto Príncipe
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informalidade haiti.jpg Com desemprego em torno de 70%, informalidade é presente em diferentes cantos do paísDe Porto Príncipe

Sem perspectiva frente à escassez de postos formais de trabalho e à miséria que assola de forma crônica o Haiti, centenas de haitianos buscam sair do país que, desde 2010, tenta se reerguer do terremoto e, há dez anos, vive sob tutela das tropas da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti). O Brasil é um dos países preferidos.

Nas primeiras horas da manhã de um dia comum, moradores de Porto Príncipe e de outras regiões do país caribenho se amontoam em frente ao Hexagone, o edifício onde fica a embaixada brasileira, com a esperança de conseguir uma vida melhor no Brasil.

“Já faz dois anos que tento o visto para o Brasil”, conta a vendedora de amendoim e frutas Janette Joseph, 45 anos, na fila desde às 7h. “Tentei permissão para viver nos Estados Unidos e no Canadá, mas hoje quero ir ao Brasil e estar com minha família que vive lá”.

O fato de ter parentes vivendo e trabalhando no Brasil também motiva Janvier Wiffrid, 41 anos, a buscar a permissão para morar no país sul-americano. Depois de dois de seus primos conseguirem se estabelecer em São Paulo, Wiffrid decidiu arriscar. “Há um ano que tento o visto”, conta o ajudante de pedreiro. “Viver no Brasil deve ser melhor que em outros países próximos ao Haiti, como a República Dominicana, onde sofremos discriminação”.

A imagem do Brasil diante dos olhos haitianos é povoada de elementos distintos, mas que carregam um traço comum de esperança. Enquanto alguns pensam no Brasil como o país do futebol – a maior parte dos haitianos torceu para a seleção brasileira na Copa do Mundo –, outros enxergam no vizinho regional a chance de realizar sonhos e poder ajudar aqueles que ficam no país castigado pelo desemprego.

Com mais de 70% da população sem emprego, muitos trabalham no setor informal da economia, vendendo comida, café, roupa, frutas, diesel e carvão nas ruas para conseguir cerca de 1,5 dólar por dia. O restante da população é absorvido pela máquina estatal, por ONGs estrangeiras e pela modesta indústria que existe, como a têxtil.

Sem saneamento básico ou tratamento de água, apenas 10% do país têm acesso a energia elétrica, tornando o cotidiano ainda mais precário. A economia é baseada majoritariamente no Petrocaribe, o acordo com o governo venezuelano no qual nações caribenhas compram petróleo em condições de pagamento preferencial, e na ajuda externa, que está nas mãos de ONGs estrangeiras. Nas ruas, a disputa pela sobrevivência é desumana, e a maior parte da população não sabe o que é ter um emprego formal.

É o caso de Cyril Willet, 42 anos, ambulante que reforma sapatos em uma banquinha nas ruas de Forte Nacional, bairro de Porto Príncipe. O ofício ao qual se dedica há dez anos garante o sustento da mulher e dos dois filhos. Quando tem sorte, consegue 3.000 gourdes (65 dólares) por mês, o que rende duas refeições diárias à família. Na maior parte do tempo, no entanto, o cenário é mais triste: Cyril, a mulher e os filhos comem uma vez ao dia.

Sem filhos ou emprego no Haiti, o ex-encanador Azelain Stanley, 27 anos, diz enxergar no Brasil a possibilidade de ter um futuro. “Imagino o país como um lugar desenvolvido, onde há algo com o que trabalhar. Quando assisto TV, vejo o Brasil como um país de oportunidades. Por isso sonho em ir para lá” afirma. “Aqui só nos resta miséria e fome.”

A diáspora haitiana não é algo novo. Estima-se que cerca de 830 mil haitianos vivam nos EUA, 800 mil na República Dominicana, 100 mil no Canadá e 80 mil na França. O Brasil, que vem sendo foco recente dessa migração, é hoje lar para mais de 35 mil deles.

“Os haitianos sempre procuraram ir para países como Canadá, EUA e México. Agora chegou a vez do Brasil”, observa Rubem César Fernandes, diretor da VivaRio, ONG há dez anos no Haiti.

De acordo com o cônsul brasileiro Vitor Hugo Irigaray, o Brasil sempre foi visto com bons olhos devido ao seu futebol, mas a presença das tropas brasileiras da Minustah no Haiti fez essa empatia aumentar. Com uma demanda média de 1.500 pedidos de vistos por dia, o serviço consular emitiu em dois anos e meio um total de 9.962 vistos permanentes àqueles que buscam o Brasil para migrar.

De uma opinião semelhante compartilha o coronel Vinicius Ferreira Martinelli, comandante do BRABAT (Batalhão de Infantaria de Força de Paz), na capital Porto Príncipe. Para ele, o bom relacionamento dos soldados brasileiros com a população haitiana é um fator que pesa quando os haitianos pensam tentar a vida em outro país. “É um reflexo da experiência positiva do contato que eles têm com os brasileiros. Eles querem ir para o Brasil porque acham que o nosso país é aquilo que veem das tropas brasileiras, dos brasileiros que estão aqui. O mesmo tipo de relacionamento e apoio que têm aqui eles esperam ter no Brasil.”

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