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EUA e Irã: um acordo nuclear histórico

O acerto abre as portas para o Irã exercer seu papel de potência regional e, por isso, apavora Israel e a Arábia Saudita

Com seu vice, Joe Biden, Obama anuncia acordo com o Irã
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Após 19 dias de negociações em Viena, na Áustria, que culminaram 23 meses de diálogo, o Irã e um grupo de potências liderado pelos Estados Unidos chegaram a um histórico acordo sobre o programa nuclear iraniano nesta terça-feira 14. O acerto segue a linha do texto preliminar anunciado em abril: as sanções econômicas impostas ao Irã serão retiradas em troca de uma série de medidas que impedem o regime iraniano de construir um arsenal nuclear.

O acordo anunciado não deve ser entendido como o ponto final na disputa envolvendo os EUA e o Irã. Ele é, na realidade, o primeiro passo de uma nova era no Oriente Médio, marcada por uma concessão dos EUAo reconhecimento do Irã como potência regional, expresso na própria importância dada às negociações, mas também pela tentativa de Washington de garantir sua posição hegemônica no Oriente Médio, algo que só pode ser assegurado pela manutenção da região como uma zona livre, ou quase livre por conta de Israel, de armas nucleares.

O principal desafio desta empreitada, iniciada por Obama, mas que ficará como legado a seus sucessores na Casa Branca, é a aceitação da nova realidade pelos aliados regionais dos EUA no Oriente Médio, nomeadamente Israel e a Arábia Saudita.

A preocupação ficou patente nos discursos de Obama e de seu secretário de Estado, John Kerry. Obama enfatizou o fato de o acordo ter imposto parâmetros aferíveis ao Irã a respeito de temas como o tamanho dos estoques de combustível nuclear e o número de centrífugas do país, entre outros aspectos. “Este acordo não é construído em confiança, mas em verificação”, disse. 

Kerry, por sua vez, optou por lembrar que a efetivação, por parte do Irã, das diretrizes acordadas é essencial para o sucesso da empreitada. “O acordo ao qual chegamos, se implementado completamente, trará conhecimento e responsabilização ao programa nuclear do Irã”, afirmou.

Ao enfatizar o caráter verificável da implementação do acordo, o governo dos EUA mina o argumento de que o Irã ainda poderá construir armas nucleares mesmo sob as novas condições. Na realidade, esse tipo de crítica, feito em especial pelo governo israelense, é cada vez mais difícil de sustentar, uma vez que tanto as instalações nucleares declaradas pelo Irã (as usinas de Fordow e Natanz e o reator de Arak) quanto as minas de urânio e outras localidades serão inspecionadas.

O ponto central para Israel e a Arábia Saudita, no entanto, é outro. O programa nuclear era a justificativa para as duras sanções impostas ao Irã, que aleijaram sua economia, impedindo o país de realizar seu potencial na última década. Com as sanções revogadas, o Irã será novamente um país “normal”: estará apto a receber investimentos estrangeiros e, principalmente, negociar seu petróleo, uma fundamental fonte de renda.

O temor de israelenses e sauditas é que o Irã, com uma economia pujante, amplie ainda mais sua atuação na disputa por poder no Oriente Médio. Na Faixa de Gaza, no Líbano, no Iêmen, no Bahrein, na Síria e no Iraque o Irã se opõe a Israel ou à Arábia Saudita, e, às vezes, aos dois ao mesmo tempo. Com mais dinheiro, o regime dos aiatolás terá ainda mais condição de marcar sua presença.

Tal preocupação têm ficado patente nas ações israelenses e sauditas e foram escancaradas em junho, quando da revelação de que os dois governos, inimigos declarados desde 1948, têm realizado encontros secretos para discutir a ascensão do Irã e formas para contê-la. As declarações desta terça-feira 14 vão no mesmo sentido.

À agência Reuters, um funcionário do governo da Arábia Saudita afirmou que o acordo será ruim se permitir que “o Irã cause estragos na região”. O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, foi ainda mais claro. “O Irã vai conseguir uma bolada de centenas de bilhões de dólares, o que vai possibilitar que o país continue a exercer sua agressão e terrorismo na região e no mundo”, afirmou.

Para Israel e a Arábia Saudita, o sentimento deixado pelas últimas ações dos Estados Unidos no Oriente Médio é de traição. Em 2001 e 2003, Washington derrubou governos no Afeganistão e no Iraque que serviam para conter o Irã. A saída de cena do Talibã e de Saddam Hussein criou um vácuo no qual Teerã entrou naturalmente, mas não com toda a força possível, justamente por conta das sanções econômicas. 

A partir de agora, a história muda. Israel e Arábia Saudita desejavam manter a enorme pressão sobre o Irã para conter seu adversário comum, mas os Estados Unidos viam nesta estratégia a possibilidade de criar uma situação insustentável. Como as sanções fortaleciam a linha-dura do regime iraniano, que de fato almeja um arsenal atômico, uma corrida armamentista no Oriente Médio se tornou factível. Uma vez que o surgimento de outra potência nuclear poderia minar a influência dos EUA na região, Obama preferiu defender os interesses de Washington em detrimento da tática de seus principais aliados.

Cabe ao próprio Obama, e a seus sucessores, acomodar os interesses de Irã, Israel e Arábia Saudita no Oriente Médio. Para isso, pode não haver acordo possível.

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