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Exército do Egito confirma golpe e tira Morsi do poder

Militares suspendem a Constituição e colocam o chefe do Judiciário, Adly Mansour, como presidente interino do país

Blindados do Exército do Egito tomam rua do Cairo nesta quarta-feira 3
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O Conselho Supremo das Forças Armadas do Egito (Scaf, na sigla em inglês) confirmou nesta quarta-feira 3 o golpe militar anunciado dois dias atrás, por meio de um ultimato ao agora ex-presidente Mohamed Morsi. De acordo com o comunicado lido na tevê estatal do Egito pelo chefe do Scaf, Abdul Fatah Khalil al-Sisi, a Constituição está suspensa e o novo presidente interino do país é o chefe da Suprema Corte, Adly Mansour.

Em seu discurso, Al-Sisi estava acompanhado por diversos líderes militares, religiosos e políticos. Entre eles estavam Mohamed El-Baradei, líder opositor, o papa dos cristãos coptas egípcios, Tawadros II, e o grande imã da mesquita de Al-Azhar, Ahmed el-Tayeb. Al-Sisi afirmou e reafirmou que Morsi deixa o poder pois não conseguiu liderar um processo de reconciliação nacional, apesar de ter recebido diversos informes sobre a necessidade de fazê-lo.

Após a fala de Al-Sisi, o papa copta e o xeique de Al-Azhar endossaram o golpe, dando uma importante cobertura religiosa para o ato militar. Baradei, que já foi chefe da Agência Internacional Energia Nuclear, ligada às Nações Unidas, falou em seguida e afirmou que a derrubada de Morsi é uma ação que tem como objetivo “retificar o curso da revolução de 25 de janeiro”, a que colocou fim aos 30 anos do regime de Hosni Mubarak.

Morsi estaria em prisão domiciliar

Após o discurso de Al-Sisi, um curto comunicado foi publicado na página oficial de Morsi no Facebook. No texto, o ex-presidente, falando ainda como presidente, afirma que a decisão dos militares é um “golpe” e “inaceitável”. No comunicado, Morsi clama para que os integrantes das Forças Armadas e da sociedade civil “respeitem a Constituição”.

De acordo com a rede de televisão Al-Jazeera, apoiadores de Morsi em Nasr City, um distrito do Cairo, ouviram um recado do ex-presidente transmitido por meio de alto-falantes, no qual ele dizia ser “o único presidente legítimo do Egito”.

Horas depois, surgiram relatos perseguição aos membros do governo derrubado e a seus aliados. Segundo porta-vozes do ex-presidente, Morsi estaria detido em prisão domiciliar. O jornal Al-Ahram relatou que foram expedidos mandados de prisão para 300 líderes da Irmandade Muçulmana. A imprensa egípcia confirmou que canais de tevê simpáticos à Irmandade, incluindo a versão local da Al-Jazeera, foram tirados do ar e seus jornalistas, presos.

Por que Morsi caiu?

A queda de Morsi se dá um ano e três dias depois de sua posse. Durante todo este período, se confirmaram algumas das previsões mais pessimistas a respeito de como seria um governo da Irmandade Muçulmana – poderoso grupo político-religioso do Egito que voltou à legalidade em 2011, após a derrubada do ditador Hosni Mubarak, depois de décadas na clandestinidade.

Morsi fez um governo pouco inclusivo, no qual perdeu inúmeras oportunidades para fazer acenos para a oposição. A sede de poder da Irmandade e sua pouca disposição de dialogar ajudaram a fazer da oposição, fraca eleitoralmente e também pouco afeita à democracia, uma força intransigente.

A postura golpista da oposição foi galvanizada pela crise de novembro de 2012, quando Morsi emitiu decreto constitucional dando a si mesmo inúmeros poderes. Era uma tentativa de conter o ímpeto do Judiciário do Egito, repleto de remanescentes do antigo regime, muitos deles insatisfeitos com o governo dos irmãos muçulmanos. Diante da crise, Morsi recuou do decreto, mas conseguiu aprovar uma Constituição vista como demasiadamente islamista, e portanto ilegítima, pela oposição.

Veio das ruas, entretanto, o ímpeto para a derrubada de Morsi. Por muitas semanas, o movimento Tamarod (rebelde) coletou assinaturas para uma petição pública pedindo a renúncia de Morsi. A adesão foi enorme, em parte graças à precária situação da economia do Egito, que está em frangalhos diante da desconfiança internacional a respeito do futuro do país e da incompetência do governo Morsi.

Em coordenação com a Associação Nacional para a Mudança, uma união de grupos secularistas, liberais e esquerdistas, o Tamarod marcou manifestações para o último 30 de junho, aniversário da posse de Morsi. O enorme volume de pessoas na rua (houve estimativas de até 14 milhões de manifestantes pelo país) fez os militares agirem.

Para as Forças Armadas do Egito, cujo compromisso com a democracia é zero, a estabilidade é um objetivo a ser perseguido com muita ênfase. Um Egito estável é o que garante a manutenção do poder político e econômico dos militares na sociedade egípcia. Foi neste contexto que os militares deram o ultimato, uma tentativa de “limpar” o golpe que já vinham planejando.

No período de 16 meses em que os militares ficaram no poder entre a queda de Mubarak e a eleição de Morsi, o Egito teve massacres de cristãos, detenções arbitrárias, julgamentos de civis, entre outros problemas. A população foi às ruas, também em enormes manifestações, para pedir o fim daquela ditadura. Agora, os militares vão dividir o poder com civis, numa tentativa de compartilhar o ônus político de administrar um país destruído. A promessa é de fazer avançar a democracia, mas não há nenhuma indicação de que ela poderá se desenvolver no Egito, especialmente se a forma para salvá-la é um golpe militar.

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