Mundo

James Comey, o homem que abala o governo Trump

Em testemunho ao Senado, ex-diretor do FBI indica que o presidente dos EUA o pressionou a parar investigação contra ex-assessor

Apoie Siga-nos no

Teoria conspiratória dos mais ferrenhos opositores Donald Trump desde sua eleição, em novembro de 2016, a possibilidade de o presidente dos Estados Unidos sofrer um impeachment deve ganhar contornos mais reais a partir do testemunho do ex-diretor do FBI James Comey para o Comitê de Inteligência do Senado norte-americano.

Comey, recentemente demitido por Trump, presta depoimento ao comitê na quinta-feira 8, mas seu testemunho foi divulgado pelo Senado nesta quarta-feira 7. No texto, o ex-diretor do FBI afirma que o presidente dos EUA pediu “lealdade” a ele e também solicitou que Comey abandonasse uma investigação acerca de Michael Flynn, assessor cujas ligações obscuras com o governo da Rússia lhe renderam a demissão.

Ao que tudo indica, o depoimento de Comey vai agravar a batalha entre democratas e republicanos e deve girar em torno da natureza do ato de Trump. Se ficar configurado que o presidente dos EUA cometeu obstrução de justiça, um crime federal, haveria uma base real para um pedido de impeachment de Trump.

Para um impeachment ser iniciado nos EUA, a Câmara de Representantes precisa aprovar por maioria um “artigo de impeachment”, conjunto de acusações contra o presidente. Após a aprovação, um julgamento é aberto no Senado, sob o comando do presidente da Suprema Corte. Para o impeachment ser efetivado, é preciso que dois terços dos senadores, a chamada “supermaioria”, condene o presidente.

Como trata-se de um julgamento também político, é improvável que Trump sofra o impeachment, pois tanto a Câmara quanto o Senado têm maiorias republicanas. A eventual disputa tem, entretanto, potencial para paralisar o governo dos EUA.

Até hoje, nunca houve um impeachment definitivo nos EUA. Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1999, sofreram o impeachment, mas foram absolvidos pelo Senado. Richard Nixon, em 1974, renunciou em meio ao escândalo Watergate para evitar o processo de impeachment.

O que diz Comey

No testemunho por escrito de sete páginas, Comey relata o conteúdo de nove conversas particulares que teve com Donald Trump, seis em pessoa e nove por telefone, e destaca que este número é muito maior do que o número de conversas realizadas com Barack Obama – duas, ambas pessoalmente.

Em 27 de janeiro, uma semana depois de assumir a Casa Branca, Trump chamou Comey para um jantar no qual questionou o então diretor do FBI sobre seu desejo de permanecer no cargo, cujo mandato é de dez anos. Segundo Comey, tratou-se de questionamento estranho, já que por duas vezes ele havia deixado claro a Trump sua intenção de continuar.

“Meus instintos me disseram que a conversa privada, e suposição de que essa seria a nossa primeira discussão sobre meu cargo, significou que o jantar era, ao menos em parte, um esforço para me fazer pedir [para manter] meu cargo e criar alguma forma de relação de apadrinhamento”, disse Comey.

Comey afirma ter dito a Trump que ele não era “confiável na forma como os políticos usam essa palavra, mas que ele sempre poderia contar comigo para lhe dizer a verdade”. Trump, então, afirmou o pedido de lealdade. “O presidente disse ‘Eu preciso de lealdade, eu espero lealdade’. Eu não me movi, falei ou alterei minha expressão facial durante o silêncio constrangedor que se seguiu”, relatou Comey.

Mais grave é o relato feito por Comey a respeito de conversa travada em 14 de fevereiro, no Salão Oval da Casa Branca. No dia anterior, Flynn, então conselheiro de Segurança Nacional, havia deixado o cargo após a revelação de que ele teve contatos indevidos com autoridades russas e mentiu a seus superiores a respeito disso. 

Naquele 14 de fevereiro, Comey estava na reunião com várias outras autoridades, mas Trump pediu que ele permanecesse no fim do encontro para falarem em privado. Segundo Comey, Trump pediu que ele abandonasse a investigação contra Flynn. “Espero que possa encontrar uma forma de deixar isto passar, de deixar Flynn em paz. É um homem de bem”, afirmou Trump segundo Comey. 

“Eu entendi que o presidente estava pedindo que deixássemos qualquer investigação de Flynn relacionada a suas falsas declarações sobre suas conversas com o embaixador russo em dezembro”, disse Comey em um comunicado.

No testemunho, Comey envolve também Jeff Sessions, titular da Secretaria de Justiça de Trump e superior direto do chefe do FBI. De acordo com Comey, após a reunião de 14 de fevereiro, ele pediu diretamente a Sessions que nunca mais o deixasse sozinho com Trump. “Eu aproveitei a oportunidade para implorar [a Sessions] que evitasse qualquer comunicação direta entre o presidente e eu”, afirma Comey. “Eu disse [a Sessions] que o que tinha acontecido – ele receber a solicitação de deixar a sala, enquanto o diretor do FBI, que se reporta a ele, ficar para trás – era inapropriado e nunca mais deveria ocorrer. Ele não respondeu”, escreveu Comey.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar