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“Mudanças em Cuba são lentas, mas significativas”

À AFP, escritor cubano examina a situação na ilha e avalia a relação entre Havana e Washington

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O escritor Leonardo Padura, ícone da literatura cubana, afirma que as mudanças na ilha socialista nos últimos 10 anos foram lentas, mas significativas, e que o presidente Raúl Castro “abriu espaços que na época de Fidel Castro não existiam”.

Padura, vencedor do Prêmio Princesa das Astúrias de Letras 2015, conversou com a AFP depois de uma sessão de autógrafos em uma livraria de Manágua (capital da Nicarágua) de seus romances policiais como Mascaras, Paisagem de Outono, Ventos de Quaresma e O Rabo da Serpente, protagonizados por seu popular detetive Mario Conde, são rapidamente vendidos.

AFP: Como avalia as mudanças em Cuba?

Leonardo Padura: A partir do restabelecimento das relações entre Cuba e Estados Unidos praticamente não aconteceu nada. Há também uma tensão histórica que existia entre os dois países e que diminuiu, esse foi o ganho mais importante. Nesses momentos, muitos americanos viajam para Cuba com vistos especiais, ainda não podem viajar como turistas, (mas) o embargo continua existindo, portanto não pode haver um comércio normal e uma relação normal entre Cuba e Estados Unidos e isso realmente influenciou muito pouco na realidade cubana.

AFP: O que Cuba espera com o presidente Donald Trump?

LP: É preciso esperar. Trump apenas se referiu a Cuba, fez isso muito pontualmente, mas muito superficialmente e não tomou nenhuma medida específica, nem para aprofundar as medidas tomadas por (seu antecessor Barack) Obama, nem para derrubá-las. Então estamos à espera para ver o que acontece nos próximos meses.

AFP: Como é a Cuba de Fidel Castro e a Cuba de Raúl?

LP: A Cuba de Fidel Castro era uma Cuba em que todas as decisões tinham um caráter político. Com Raúl chega um pouco mais de pragmatismo porque começa a se ter consciência da gravíssima situação econômica do país que continua se deteriorando. No ano passado estivemos em recessão.

Não se sabe como vamos superar economicamente todas as necessidades que vêm se acumulando ao longo deste anos, mas o governo de Raúl é mais pragmático e abriu espaços que na época de Fidel não existiam, que podem ir desde a possibilidade de viajar muito mais livremente até a possibilidade de ter um telefone celular, que antes de 2006 nenhum cubano podia ter. As mudanças são lentas, mas algumas delas são significativas.

AFP: Como vê Cuba em 10 ou 20 anos?

LP: As previsões do futuro não me caem bem, nem a minha, nem a ninguém, e no caso de Cuba menos ainda.

AFP: O que é necessário fazer em Cuba para avançar mais rapidamente até uma abertura?

LP: Acredito que faltem mudanças econômicas mais radicais, que não sei como irão organizar porque não sou economista. A chave de tudo estaria na economia.

AFP: Qual é a sua principal preocupação no mundo atualmente?

LP: A eterna estupidez humana. Creio que temos demonstrado ao longo de toda a história da civilização que somos uma espécie com um alto sentido de estupidez, e o desenvolvimento tecnológico, científico, humanístico não nos salvou disso e continuamos sendo uns estúpidos capazes de destruir o que temos, o belo, o necessário sem o qual não podemos viver. Me refiro a tudo.

AFP: Como faz para escrever em uma sociedade fechada?

LP: Pois eu escrevo e me atenho às consequências. Até agora as consequências não têm sido especialmente graves nem violentas, mas sofro a consequência de ser quase invisível em Cuba.

Não apareço nunca na televisão, não saio nos jornais, sou quase invisível, ganho prêmios internacionais e não são mencionados. Mas bom, é o preço que pago por escrever como escrevo, é o meu espaço de liberdade e eu o pratico.

AFP: Como reconstruiu a história de Leon Trotsky para escrever o romance “O Homem que Amava os Cachorros”?

LP: Era uma grande ignorância (para mim) e essa ignorância foi o que despertou a curiosidade. Em Cuba, a política sobre Trotsky foi a mesma da ex-União Soviética, (era) como se não tivesse existido, desaparecido das fotos.

A primeira vez que estive no México, fui à sua casa (onde Trotsky viveu exilado) em Coyoacán no ano de 1989.

Depois soube que (seu assassino) Ramón Mercader viveu vários anos em Cuba e morreu em Cuba, e tudo isso foi pouco a pouco se acumulando até que chegou o momento em que estive em condições de poder escrever esse livro.

*Leia mais em AFP

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