Mundo

Não há luz no fim do túnel para os cristãos coptas no Egito

Por mais brutais que sejam, os ataques do Estado Islâmico em Alexandria e Tanta são apenas uma amostra da situação dramática dos coptas

Não há luz no fim do túnel para os cristãos coptas no Egito
Não há luz no fim do túnel para os cristãos coptas no Egito
Em Borg El-Arab, cidade vizinha a Alexandria, cristãos fazem procissão em homenagem às vítimas do terror
Apoie Siga-nos no

Durante a chamada Primavera Árabe, cenas de cristãos e muçulmanos protestando juntos no Cairo, a capital do Egito, e se protegendo mutuamente das forças de segurança, causaram comoção no mundo. A esperança daqueles dias de 2011 há muito se tornou uma lembrança saudosa para quase todos os egípcios, mas as minorias, entre as quais os cristãos coptas são a mais numerosa, sofrem de maneira desproporcional. Seis anos depois do levante contra Hosni Mubarak, a comunidade copta é vítima de níveis de violência sem precedentes em sua história.

No Domingo de Ramos (9 de abril), uma das datas preparatórias para a Páscoa cristã, os coptas sofreram um ataque de grande repercussão. A igreja de São Jorge, em Tanta (100 km ao norte do Cairo), e a catedral de São Marcos, em Alexandria, foram alvo de ataques simultâneos, que deixaram 44 mortos e centenas de feridos.

O atentado terrorista foi reivindicado pelo Estado Islâmico. Ativo na Península do Sinai, o ISIS, como também é conhecido o grupo, age no Egito da mesma forma que faz na Síria e no Iraque. Ataca o governo, mas também as minorias religiosas.

O atentado provocou condenações internacionais, em especial no Ocidente. Há pouco, entretanto, que europeus e norte-americanos podem fazer pelos cristãos egípcios enquanto sua política externa apoiar o autoritarismo no Oriente Médio.

A igreja copta, uma denominação da ortodoxia oriental que teria sido fundada pelo apóstolo Marcos, existe desde o século I. Essa comunidade cristã, que hoje compõe cerca de 10% da população egípcia, sobreviveu ao Império Bizantino, à conquista muçulmana do que hoje é o Egito e experimentou seu momento mais próspero durante a dinastia de Muhammad Ali (1805-1952), na qual o Egito moderno foi fundado.

No século XIX e na primeira metade do século XX, os coptas exerceram papéis de destaque na política e na sociedade egípcias. Era um período no qual o cristianismo e o islã conviviam de forma harmoniosa. No levante nacionalista contra o Império Britânico, em 1919, por exemplo, imãs oraram em igrejas e padres realizaram celebrações em mesquitas, em uma prova de solidariedade local contra os invasores. Os ventos mudaram quando a monarquia foi derrubada no golpe que levou Gamal Abdel Nasser ao poder. A partir de 1952, os coptas foram marginalizados pelo Estado, uma situação que se agravou em 1970, quando o pan-arabista Nasser foi substituído por Anwar al-Sadat.

Sissi e Trump Sissi e Trump na Casa Branca em 3 de abril. Ao manter apoio a ditadores, o Ocidente patrocina o terror

A ascensão de Sadat coincidiu com o empoderamento dos islamistas, os adeptos do islã político, uma ideologia segundo a qual o islã pode e deve resolver todos os problemas da sociedade. A intenção de Sadat era fortalecer os religiosos para contrapor o peso dos socialistas apoiadores de Nasser. Esta política, associada ao ganho de poder político e econômico por parte da Arábia Saudita naquele período, e ao intercâmbio entre islamistas sauditas e egípcios, foi uma das molas propulsoras da radicalização do islã no Oriente Médio.

O Egito foi um dos países que mais sofreu com a radicalização e os coptas, em particular, se tornaram um alvo primordial. Com Hosni Mubarak (1981-2011), o Egito se transformou no principal exemplo do processo que Peter Demant chama de “acomodação de determinadas exigências das populações e dos islamistas por meio de uma democratização limitada”.

Pressionado por forças políticas e sociais radicalizadas, o governo cede a extremistas religiosos em assuntos que são caros a esses (como por exemplo a forma de lidar com uma minoria religiosa) para manter o controle sobre a sociedade. Este é um processo comum em todo o Oriente Médio. Partidos políticos, sindicatos, entidades estudantis e outras associações são fracas ou não existem. As mesquitas, entretanto, estão sempre disponíveis e muitas vezes lideradas por radicais.

Este ciclo de autoritarismo e radicalização religiosa provoca o crescimento e a legitimação de uma tendência fundamentalista, que gera uma “islamização rastejante da sociedade, cuja tendência política é antidemocrática ou pelo menos antiliberal”, como também afirma Demant. É o caldo político, social e cultural no qual viceja o jihadismo. É de onde o Estado Islâmico retira suas forças, ao se postar como único e legítimo defensor dos muçulmanos contra os regimes autoritários e “infiéis” de Sissi. 

Em um contexto no qual a força dominante é o Estado autoritário e em que a principal contestação vem do islã político (islamismo), a única escolha dos coptas é buscar alguma proteção no Estado, ainda que este seja o promotor de uma discriminação sistemática que gere em muitos cristãos a sensação de serem cidadãos de segunda classe. Esta complexa realidade ficou evidente após a Primavera Árabe.

A abertura política pós-Mubarak catapultou a Irmandade Muçulmana e os salafistas (ambos islamistas, de diferentes vertentes) para um papel de proeminência na política egípcia. Em 2013, após um ano de presidência da Irmandade Muçulmana, veio o golpe liderado por Abdel Fattah al-Sissi. Muitos coptas apoiaram a nova ditadura.

Quase quatro anos depois, o apoio minguou. Parte significativa da atuação de Sissi é perseguir o islã político em todas as suas formas, onde for possível. Em um único dia de agosto de 2013, seu regime assassinou cerca de mil irmãos muçulmanos a luz do dia, no Cairo, em uma carnificina comparável ao Massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, em 1989. Ações como essa exacerbaram a violência sectária no Egito, ampliando a vulnerabilidade da comunidade copta, uma vez que o Estado, preocupado em garantir a existência do regime, é incapaz de proteger seus cidadãos.

Atentado no Egito Em Borg El-Arab, mulheres choram durante funeral de vítimas da catedral de São Marco (Foto: Mohamed El-Shahed / AFP)Desde 2013, inúmeras igrejas foram vandalizadas, mas as comunidades cristãs não receberam autorização para repará-los. O Estado prometeu se responsabilizar por isso, mas jamais levou a promessa a cabo. Muitos templos seguem em ruínas e os coptas também não conseguem erguer novas igrejas.

O processo de autorização é burocrático a ponto de, na prática, inviabilizar o surgimento de novos templos cristãos. Uma nova lei aprovada no governo Sissi deveria corrigir isso, mas acabou dando ainda mais poder para o Estado gerir a comunidade copta.

A violência estatal contra a religião se junta aos ataques aos fiéis. Em 2016, alguns episódios aterradores atingiram a comunidade copta. Em maio, uma mulher cristã de 70 anos cujo filho era “acusado” de ter uma relacionamento com uma muçulmana foi despida e arrastada pela rua de Minya.

No mês seguinte, famílias cristãs foram atacadas, um jardim da infância foi incendiado e um padre foi assassinado. Em julho, uma freira e um farmacêutico coptas foram assassinados. Em novembro, uma vila cristã foi atacada por uma gangue de 2 mil pessoas após a notícia de que uma residência funcionaria improvisadamente como templo religioso.

Todos esses episódios acirraram os ânimos da comunidade copta, que tem realizado inúmeros protestos contra o regime. Ocorre que o Egito tem hoje uma das ditaduras mais draconianas do mundo, que reprime a liberdade de expressão e reunião de maneira contumaz. O governo teme sua própria população e, dessa forma, os coptas, como o restante dos egípcios, têm poucas formas de manifestar sua indignação.

Há ainda dois agravantes importantes. O primeiro é que a cúpula da igreja copta é cada vez mais vista com suspeição pela própria comunidade. O papa Tawadros II é um ferrenho apoiador de Sissi, mas suas ações e declarações não escondem a clivagem existente entre o establishment religioso e a massa.

Coptas Coptas fazem celebração em igreja incendiada em Minya, em julho de 2016 (Foto: Twitter / @copticulture)

O segundo complicador é a própria postura de Sissi. O ditador vende a si mesmo como um campeão do nacionalismo egípcio, protetor de muçulmanos e cristãos. Seus atos são, no entanto, meramente simbólicos. Sissi condena a violência contra os cristãos e, em janeiro de 2015, se tornou o primeiro presidente do Egito desde 1952 a participar da celebração do Natal copta, festejado em 7 de janeiro.

Na prática, seu regime continua incapaz de proteger os coptas, mantém a marginalização da comunidade e impede manifestações por mudanças. Sua “solução” para o ataque do Domingo de Ramos foi restabelecer o Estado de Emergência, que no Egito é sinônimo de ainda mais repressão contra toda a população.

De Washington, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que recebeu Sissi na Casa Branca na semana passada, condenou o ataque. E disse ter “grande confiança de que o presidente Sissi vai lidar com a situação corretamente”. Não vai. Sissi continuará sendo um bastião do autoritarismo que, em combinação com invasões estrangeiras e com o radicalismo religioso, transforma o Oriente Médio em um caldeirão prestes a explodir, como comprova a existência do Estado Islâmico. É uma situação que penaliza a todos, especialmente os coptas. 

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo