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O que esperar de Merkel em Washington?

Chanceler alemã visita a Casa Branca diante do desafio de encontrar terreno comum com Trump, que tem visões de mundo exatamente opostas às suas

Merkel e Trump: chanceler alemã defende uma abordagem cooperativa e multilateralista na política global
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Quando se trata da relação transatlântica e de presidentes americanos, a impressão é que a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, que está em campanha por um quarto mandato, já viu de tudo.

Ela foi anfitriã do impopular George W. Bush em um churrasco de javali na costa do Mar Báltico. Também recebeu o popular Barack Obama para um café da manhã com salsicha e cerveja nos Alpes bávaros. Apesar da hospitalidade, ela nunca ficou íntima de qualquer um deles.

Durante o mandato dos dois presidentes, ela teve que lidar com grandes abalos no sistema transatlântico, como a Guerra do Iraque e o caso NSA. Mas, apesar dessas tensões, Merkel conseguiu estabelecer laços tão sólidos com Bush e Obama que ambos acabaram por considerá-la a pessoa-chave na maioria das questões europeias.

Mas com Trump, Merkel agora enfrenta seu maior desafio transatlântico: encontrar terreno comum com o ocupante da Casa Branca. E isso acontece com ela está sob pressão doméstica crescente: pesquisas mostram o Partido Social-Democrata em ascensão para as eleições de setembro.

“Em relação à política americana, nunca foi tão complicado como é agora”, afirma Josef Janning, que chefia o escritório de Berlim do Conselho Europeu de Relações Exteriores.

Merkel terá que tomar uma nova abordagem para tentar estabelecer uma relação de trabalho decente com o presidente, afirma John Harper, professor de política externa dos EUA na Universidade Johns Hopkins, em Bolonha. Trump, lembra ele, é completamente diferente de Obama e Bush.

Isso porque, ao contrário de seus predecessores – e de Merkel –, Trump não possui nenhuma experiência governamental prévia antes de se tornar presidente. Acrescente a isso o comportamento presidencial de Trump – com sua tendência a agir agressivamente sobre uma miríade de tópicos, muitas vezes por meio do Twitter, e com sua batalha pessoal contra a mídia.

Isso tudo faz com que o novo presidente dos Estados Unidos seja um outsider entre os recentes moradores da Casa Branca e o oposto do estilo político de Merkel, que é rotineiramente descrito como calmo e controlado.

Embora os diferentes contextos e estilos de governo sejam importantes, eles são eclipsados pelas diametralmente opostas visões políticas que Merkel e Trump expressam.

A chanceler alemã defende uma abordagem cooperativa e multilateralista na política global. Trump, por outro lado, pelo que se pode deduzir até agora, parece favorecer uma abordagem de grande potência nos assuntos internacionais e o desprezo por instituições e estruturas multilateriais. Ele vê a política essencialmente como um jogo de ganhar ou perder.

Isso torna difícil encontrar um terreno comum entre Merkel e Trump e indica que não é possível esperar muito desse primeiro encontro, ainda mais levando em conta os ataques que eles fizeram um contra um outro em discursos para cidadãos de seus países.

É por isso que nem Janning nem Harper esperam resultados tangíveis nesta primeira reunião.

“Um dos objetivos de Merkel interesses é obter pelo menos um compromisso verbal suficientemente bom do novo presidente para com o processo do G20 e com a ideia de abordar questões por meio de estruturas cooperativas”, diz Janning.

Os preparativos da cúpula do G20, que vão ocorrer em Hamburgo neste verão, é apresentada como a razão para a visita de Merkel à Casa Branca. Outro tema-chave que deve ser abordado pela dupla é o futuro da UE.

Trump, que tem sido um partidário fervoroso da saída do Reino Unido do bloco, repetidamente deixou claro que ele menospreza a UE e prefere manter relações bilaterais diretamente com os países europeus sem passar por Bruxelas.

Dada a animosidade de Trump em relação à UE, Merkel deverá deixar claro por que a unão não é apenas importante para a Alemanha e para a Europa, mas também para os EUA. Isso pode ser uma tarefa difícil, observa Janning, uma vez que Trump, ao contrário de seus predecessores, sugeriu que ele não vê os EUA como uma potência europeia ou como líderes incontestados da aliança transatlântica.

A postura de Trump em relação à Europa ficou explícita quando ele recebeu o político britânico e arquiteto do Brexit Nigel Farage como um de seus primeiros visitantes estrangeiros depois de vencer a eleição.

É por isso que Harper considera que mesmo uma eventual alteração do tom usado por Trump em relação à Europa seria um sucesso: “Espero que um resultado dessa visita seja que ela possa pelo menos persuadir Trump a parar de atacar a União Europeia e de incentivar políticos como Marine Le Pen”, afirma o especialista da Universidade Johns Hopkins.

De modo semelhante, no caso das relações com a Rússia, outra questão controversa: Merkel provavelmente vai explicar a Trump que ela considera uma postura firme baseada nos princípios e regras da ordem europeia do pós-guerra como a abordagem que deve ser usada em relação a Moscou.

Se Merkel e Trump encontrarem algum terreno comum para trabalhar juntos, isso não ficará evidente de uma primeira reunião. Mas isso pode ocorrer no próximo semestre, que vai marcar um momento crucial para Merkel, que enfrenta uma eleição, e para Trump, que vai ter que mostrar resultados.

Ainda assim, diz Harper, essa primeira reunião provavelmente terá pelo menos um efeito imediato. “Uma vez que Trump tenha conhecido Merkel, acho que será mais difícil para ele insultá-la.”

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