Mundo

Tomada do ‘berço da revolta síria’ sinaliza ocaso da oposição moderada

Regime de Assad recupera Daraa, onde guerra civil começou em 2011, e amplia domínio territorial na Síria. Oposição moderada não existe mais

Silhueta de um soldado do Exército Livre da Síria, no norte do país
Apoie Siga-nos no

Por Lewis Sanders

Numa derrota impregnada de simbolismo, as forças do regime sírio expulsaram esta semana os rebeldes de Daraa, considerada o berço da revolta no país. Foi nessa cidade que protestos pacíficos eclodiram em 2011, gerando uma repressão sangrenta pelo regime e dando início à guerra civil.

Sete anos depois, grupos armados de oposição na área concordaram em se render e entregar armas sob um acordo mediado pela Rússia, mesmo quando forças do regime ainda bombardeavam bolsões mantidos pelos rebeldes dentro e nos arredores da cidade de Daraa.

A perda da província de Daraa é um golpe significativo para o movimento rebelde da Síria. Se, nos acordos de rendição anteriores, combatentes da oposição relutantes em fazer as pazes com o governo eram transferidos para Idlib, seu último bastião no país, desta vez os negociadores do regime rejeitaram tal compromisso, num claro sinal de como Damasco avalia sua própria força.

Leia também:
Entre Trump e Putin, a guerra na Síria anda em círculos
Síria vive crise de saúde mental infantil, diz estudo

“A queda de Daraa é o fim da revolução síria”, comenta Joshua Landis, diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Oklahoma e editor do blog Syria Comment. “As milícias rebeldes remanescentes ‘independentes’ estão no sudoeste. Uma vez desmanteladas, a única região da Síria onde milícias rebeldes dominarão está no norte. Mas estas estão sob controle direto dos EUA e da Turquia.”

Um processo de anos

Em junho de 2011, a oposição ao regime do presidente Bashar al-Assad culminou com a fundação do Exército Livre da Síria (ELS), reunindo oficiais militares que desertaram das Forças Armadas e grupos rebeldes dispostos a pegar em armas contra o regime. Em seus primórdios, o ELS foi visto como a “oposição moderada armada” na Síria.

Embora tenha desfrutado de apoio popular e internacional desde o início, até recebendo ajuda dos EUA e da Europa, a aliança de grupos armados de oposição começou a se dividir já um ano depois, principalmente sob a pressão de elementos islâmicos radicais. Em 2014, alguns membros do ELS até desertaram para o grupo militante “Estado Islâmico” (EI).

Desde então, o movimento de oposição se dividiu ainda mais, em inúmeras facções, assistiu à ascensão de grupos militantes islâmicos e sofreu grandes perdas em seus antigos bastiões, principalmente em Aleppo e Ghouta Oriental.

“O fim da oposição armada está em andamento há pelo menos três anos, na minha opinião, se não mais”, analisa Yezid Sayigh, do Centro Carnegie para o Oriente Médio, em Beirute. “Qualquer dúvida a esse respeito deveria ter sido dissipada após as grandes perdas no leste de Aleppo e em Ghouta Oriental e diante da incapacidade de aproveitar a expansão dos curdos em outras partes da Síria para recuperar alguma iniciativa.”

mapa.png

Turquia: a última batalha

Mas nem tudo está perdido para os rebeldes da Síria. A Turquia continua sendo um parceiro crucial para esses grupos armados da oposição, incluindo o que hoje é o ELS.

No norte do país, rebeldes do ELS apoiados pela Turquia capturaram Afrin dos curdos no início deste ano, numa operação que ameaçou deteriorar as relações entre a Turquia e os Estados Unidos, dois parceiros na Otan.

Os EUA apoiaram as Forças Democráticas da Síria (FDS), lideradas pelos curdos, na luta contra o “Estado Islâmico”. A Turquia considera a presença de seus militares na Síria crucial para a própria segurança, pois teme a presença dos curdos no norte do país vizinho.

“O norte será uma batalha muito diferente. Assad prometeu recuperar cada centímetro do território sírio. Ele vai tentar empurrar as dezenas de milhares de soldados rebeldes que se reuniram na província de Idlib, junto com suas famílias, para a Turquia”, diz Landis.

No entanto, os grupos rebeldes em Idlib não são considerados a “oposição moderada”. O diplomata Brett McGurk, que lidera os esforços dos EUA contra o “Estado Islâmico”, descreveu Idlib no ano passado como o maior porto seguro para a Al Qaeda desde o 11 de Setembro. “Idlib é um enorme problema.”

Mesmo assim, a Turquia dificilmente concordará com uma ofensiva do regime na província. “A Turquia não vai aceitar isso. O país já estabeleceu mais de dez postos de ‘observação’ em Idlib, que são ocupados por soldados turcos com equipamento pesado”, diz Landis.

A Turquia tenta garantir que rebeldes por ela apoiados tenham um lugar na mesa de negociações quando chegar a hora de um processo de paz. Mas para muitos, a “oposição moderada” que surgiu na onda de revoltas populares em toda a região já não existe mais.

DW_logo

 

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo