Justiça

A quantas andam os debates sobre delação premiada?

‘Os anos de Lava Jato são mais que motivo para puxar o freio e mandar esse trem de volta ao Norte’, escreve Brenno Tardelli

(Foto: iStock)
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Como diria a música, os ventos do Norte não movem moinhos na América do Sul. No Direito, destroem os moinhos. Anunciada com grande expectativa, as delações premiadas seguem os institutos jurídicos do Norte Global. Da mesma corrente de ar veio também a teoria da cegueira deliberada, que muito estrago causou.

Certa vez, conversando com o querido Frederico de Almeida, professor de Ciência Política na Unicamp, ouvi algo muito interessante. Formulações intelectuais estadunidenses da Economia e Direito importadas são aplicadas no Sul de forma diferente em relação ao Norte. Operam como um mecanismo de imperialismo muito potente, já que tornam desnecessárias tropas e bombas, bastando treinar algumas mentes influentes.

 

Teorias condenatórias que dispensam o rigor probatório encontraram nos think tanks brasileiros um solo fértil para reprodução. Aí, uma vez no Brasil, com as devidas condições sociais e de poder, ganham um potencial destrutivo digno dos mais implacáveis vírus.

É importante ressaltar, mais uma vez, que nos EUA isso simplesmente não acontece.

É claro, veremos em algumas produções de Hollywood casos em que poderosos de Wall Street e outros setores financeiros são condenados e presos. Mas não veremos a destruição de setores industriais, sobretudo com apoio de autoridades estrangeiras. Isso é uma jaboticaba.

É nesse cenário que está inserida a delação premiada. Houve uma época em que dizia dito as delações premiadas já haviam sido incorporadas ao sistema jurídico brasileiro, que as críticas a esse expediente eram minoritárias e de pouco valor.

Muitos defensores da delação premiada, registre-se, tinham interesses pessoais, sejam na condenação em si, na acusação mais fácil, preguiçosa e espetaculosa, ou nos honorários recebidos mais rapidamente. Somos reféns dos resultados dessa época, na qual questionar a delação em si, enquanto instituto, era mera abstração que não nos levava a lugar algum.

Mas o problema, dirão muitos, não é a delação, mas sim sua aplicação. Ora, há como descolar o instituto do lugar onde ele é aplicado? São muitos os casos são muitos em que a delação foi utilizada como instrumento de perseguição – basta lembrar de Léo Pinheiro, cuja delação só avançou quando apontou para Lula. E quando a delação passar a ser realidade nas varas de todo País?

Bom, pessoalmente, penso ser espantoso que pessoas do meio jurídico se coloquem no debate público para legitimá-la, tratando-a como um detalhe menor dentro de uma lógica jurídica de obter a condenação. Os anos de Lava Jato já deveriam ter sido mais do que motivo de puxar o freio de mão e mandar esse trem de volta para o Norte, de onde ele nunca deveria ter saído.

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