Em um voto histórico, Celso de Mello firmou seu posicionamento na defesa dos direitos das minorias e não poupou indiretas ao presidente Bolsonaro e a alguns de seus ministros.
Foi com mais de 150 páginas trazendo contextos históricos, relatórios internacionais e até citações de autores como Espinoza, Simone de Beauvoir e Hannah Arendt, que Celso de Mello se posicionou a favor da criminalização da LGBTfobia e reconheceu a omissão do Congresso Nacional em proteger, mediante tipificação penal dos atos de discriminação, os membros da comunidade LGBT.
O ministro introduziu seu voto já prevendo que seria alvo de críticas por parte dos “cultores da intolerância” (cujas mentes sombrias rejeitam o pensamento crítico e ignoram o sentido democrático do pluralismo de ideias) e desenvolveu seus argumentos em 18 tópicos, dos quais selecionamos 5 que sintetizam bem o teor da sua decisão.
Ideologia de gênero
Um do primeiros pontos que o ministro Celso de Mello esclarece em seu voto é a questão da denominada “ideologia de gênero” e, como por meio dela, discursos autoritários têm sido produzidos, culminando na propositura de inúmeras medidas de caráter homofóbico e segregacionista, com o objetivo de limitar direitos essenciais de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros e intersexuais.
O ministro afirmou que a ideologia de gênero vem sendo usada por determinados grupos políticos, motivados por profundo preconceito, para promoverem o ódio contra a comunidade LGBT. Esses grupos buscam “impedir o debate público em torno da transsexualidade e da homossexualidade, por meio da arbitrária desqualificação dos estudos e da inconcebível negação da consciência de gênero“.
Celso de Mello também criticou a visão de mundo de que as diferenças biológicas entre homens e mulheres devem determinar os seus papéis sociais, citando a polêmica frase da ministra Damares Alves, “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”.
“Essa visão de mundo […] impõe, notadamente em face dos integrantes da comunidade LGBT, uma inaceitável restrição às suas liberdades fundamentais, submetendo tais pessoas a um padrão existencial heteronormativo, incompatível com a diversidade e o pluralismo que caracterizam uma sociedade democrática, impondo-lhes, ainda, a observância de valores que, além de conflitarem com sua própria vocação afetiva, conduzem à frustração de seus projetos pessoais de vida.”
A banalidade do mal homofóbico
Em seu voto, Celso de Mello aponta o preocupante nível de violência e ódio dirigidos aos membros da comunidade LGBT e como essas pessoas são reiteradamente vítimas das mais diversas formas de agressão motivadas, única e exclusivamente, pela orientação sexual e/ou identidade de gênero. Para tanto, o ministro destacou dados de relatórios que demonstram como o Brasil é o campeão mundial desse tipo de crime.
“Entendo que esses números assustadores autorizam e validam a argumentação feita pelo ilustre subscritor da inicial, Dr. Paulo Iotti Vecchiatti, de que se verifica, no Brasil verdadeira banalidade do mal homofóbico e transfóbico”.
Omissão do Legislativo
Para Celso de Mello ficou demonstrado que a inércia do Congresso em produzir normas legais de proteção penal à comunidade LGBT configura uma omissão seletiva resultante de preconceitos e que estariam eles, os legisladores, realizando esforços de modo insuficiente no sentido de proteger os homossexuais e os transgêneros.
Apesar de existirem propostas sobre a criminalização da homofobia no Congresso, isso por si só não afasta a inércia por parte do Poder Legislativo. Com propostas ou sem propostas o fato é que, na prática, há um desprezo pela Constituição e uma inquestionável inércia estatal inteiramente imputável ao Congresso Nacional.
Por fim, o ministro concluiu seu voto reconhecendo o estado de mora inconstitucional do Legislativo na implementação da prestação legislativa destinada à proteção penal dos integrantes do grupo LGBT.
Criminalização da homofobia
No seu entender, a criminalização da homofobia é absolutamente constitucional e os atos homofóbicos e transfóbicos devem configurar como formas contemporâneas de racismo.
“[…] atos de homofobia e transfobia constituem concretas manifestações de racismo, compreendido este em sua dimensão social: o denominado racismo social.”
Na conclusão do voto, Celso de Mello defendeu o enquadramento da homofobia e da transfobia nos tipos penais definidos na Lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça e cor. Ou seja, até que uma legislação específica sobre a homofobia seja criada, as práticas homofóbicas devem ser qualificadas como espécies do gênero racismo.
A possibilidade de o STF criar penas para a homofobia
No entendimento de Celso de Mello não cabe ao Supremo impor sanções de direito penal para a homofobia, sendo isso uma clara transgressão à separação de poderes. Logo, cabe exclusivamente ao Congresso aprovar crimes e penas, não podendo o Judiciário atuar como legislador.
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