STF alega questões processuais e nega recurso sobre o uso de banheiros por pessoas trans

Em julgamento retomado nesta quinta-feira 6, os ministros não chegaram a discutir o mérito da ação

Antonio Augusto/SCO/STF

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Supremo Tribunal Federal rejeitou, por 8 votos a 3, um recurso que tratava do uso de banheiros por pessoas trans e questionava a possibilidade de indenização por danos morais a uma pessoa que fosse impedida de utilizar o sanitário do gênero com o qual se identifica.

A análise do caso ocorreu nesta quinta-feira 6. Os ministros não chegaram a discutir o mérito da ação – ou seja, se de fato uma pessoa trans tem o direito de usar o banheiro conforme a sua identidade.

O caso começou a ser debatido em 2015 e trata do constrangimento sofrido por Amanda dos Santos Fialho, uma mulher trans impedida de usar o banheiro feminino em Florianópolis (SC) em 2008. O episódio aconteceu no Beiramar Shopping, no centro da capital catarinense.

Após entrar no estabelecimento, Amanda foi seguida por seguranças e barrada ao tentar utilizar o sanitário. Ela não conseguiu se segurar e fez suas necessidades na roupa – na sequência, ainda precisou usar o transporte público para voltar para casa.

A vítima entrou na Justiça e ganhou uma indenização de 15 mil reais pelo constrangimento sofrido, mas o shopping conseguiu derrubar a reparação na segunda instância. Depois de uma longa disputa judicial, o caso foi parar no Supremo e ganhou repercussão geral – ou seja, a decisão da Corte criaria um precedente a ser seguido por juízes de todo o País em processos semelhantes.

Quando o episódio começou a ser julgado, o ministro Luiz Fux pediu vista e interrompeu as discussões. À época, o magistrado sustentou que a sociedade deveria ser ouvida porque haveria preocupação sobre a vulnerabilidade de mulheres e meninas em banheiros, que correriam perigo se um heterossexual vestido de mulher entrasse no local para cometer crimes sexuais.


O julgamento foi retomado nesta quinta com o voto de Fux. O ministro disse não ser possível discutir o uso do banheiro a partir deste recurso no STF, uma vez que a defesa não teria tratado de questão constitucional. Além disso, segundo ele, a segunda instância apontou não existirem provas de que houve preconceito no caso.

Esse entendimento foi seguido pelos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Kássio Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Em 2015, os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram por reconhecer o direito da pessoa trans à indenização. Relator do caso, Barroso condenou qualquer tipo de preconceito contra transexuais e rebateu o argumento de que algumas mulheres poderiam não se sentir à vontade com a presença de uma transexual no banheiro.

Para o ministro, esse desconforto é algo pequeno quando comparado ao direito de alguém ser aceito socialmente.”Eu às vezes estou em ambiente em que não me sinto à vontade com alguma presença, mas isso não me dá o direito de destratar, de negar a identidade de ninguém”, disse Barroso à época. O magistrado ainda se manifestou por uma indenização de 15 mil reais.

Fachin, por sua vez, propôs o aumento da reparação por danos morais para 50 mil reais, com correção monetária e juros de 1% ao mês a contar da data do episódio. A Procuradoria-Geral da República também se manifestou a favor da reparação por danos morais.

Existem outros cinco processos em tramitação na Corte que abordam tema semelhante. Tratam-se de arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, apresentadas pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) em 29 de maio deste ano. Uma delas está sob relatoria da ministra Cármen Lúcia.

O advogado Paulo Iotti, que chegou a fazer uma sustentação oral no plenário do STF em 2015, no início do julgamento, disse a CartaCapital estar “profundamente chocado” com decisão desta quinta-feira. Ele também é responsável pelas ações protocoladas pela Antra na última semana.

“Só atrasaram a decisão e em prejuízo de uma mulher trans humilhada quando o fato ocorreu, em processo salvo engano de aproximadamente 15 anos, 9 anos parado para agora ter-se essa surpreendente e inesperada decisão, que considero profundamente equivocada, com máximo respeito à maioria do STF”, pontuou.

À reportagem, a defesa de Amanda Fialho criticou o fato de o Supremo ter levado 10 anos para julgar o caso e, ainda assim, “se limitar a debates processuais sobre a admissibilidade de um recurso, etapa que deveria ter sido ultrapassada na primeira fase do processo”.

“A decisão marca o dia 06 de junho como uma data de grande retrocesso na luta pelos direitos das pessoas trans, já que perpetua a invisibilização e marginalização sociais dessa parcela da sociedade, além de legitimar a violência de gênero sofrida por Amanda, que foi banida de um banheiro feminino pelo simples fato de ser quem ela é, uma mulher trans”, afirmou Isabela Pinheiro Medeiros, advogada da vítima.

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