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Bibi ao cubo

O ex-premier enfrenta um processo de corrupção e vê na eleição um salvo-conduto

Acuado pela Justiça, Netanyahu tenta voltar ao poder em Israel, em aliança com a extrema-direita. Foto: Amos Ben Gershow/Gabinete do Primeiro Ministro
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Todos na pequena sala no segundo andar do tribunal distrital de Jerusalém estão cansados de esticar o pescoço para ver os recibos de uma década de uísque, conhaque e charutos mostrados numa tela. Mesmo a testemunha-chave em um dos três julgamentos por corrupção do ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está claramente entediada por responder a perguntas sobre com que frequência seu chefe costumava enviar presentes caros ao antigo líder de Israel.

A ausência do homem de 73 anos paira sobre o processo da mesma forma que sua política combativa ainda assombra a vida pública israelense. Enquanto os juízes examinavam vários slides de faturas fotocopiadas naquele dia quente de setembro, o alvo de sua investigação estava em campanha. Israel realizará sua quinta eleição em menos de quatro anos. Como em todas as outras desde a crise política desencadeada em grande parte por denúncias de quebra de confiança, suborno e fraude contra Netanyahu, formalmente indiciado em 2019, a votação em 1º de novembro é um referendo sobre se o chefe do partido de direita Likud é o nome certo para comandar o país.

Cinco eleições depois, o público israelense ainda não consegue se decidir. Pesquisas de opinião preveem consistentemente que o bloco de partidos de direita e religiosos de Netanyahu ficará novamente um ou dois assentos aquém de conquistar a maioria no Knesset. Mas o ex-primeiro-ministro conduz uma campanha sofisticada e forjou novas alianças controversas, na tentativa de retornar para um terceiro mandato sem precedentes.

Seus futuros pessoal e político estão entrelaçados: voltar a ser primeiro-ministro provavelmente será a maneira mais fácil de escapar das consequências de seu julgamento criminal. “Os blocos Bibi versus não Bibi quebraram as distinções que existiam há décadas na política israelense”, disse Eran Amsalem, professor assistente de Comunicação da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Vários dos principais partidos não estão ideologicamente muito distantes do Likud em termos de política econômica ou de segurança. Ninguém diz: ‘Somos contra o Likud’. Todos são contra Bibi.”

O mandato de 12 anos de Netanyahu, atormentado por escândalos, finalmente chegou ao fim em junho de 2021, depois que se formou uma coalizão de oito partidos, alguns com pouco mais em comum do que o desejo de removê-lo. Foi difícil, no entanto, para o governo superar sua incoerência ideológica. Durante seu ano no deserto como líder da oposição, Netanyahu aproveitou a desunião da coa­lizão e incentivou os partidos de oposição a votar contra todos os projetos de lei propostos pelo governo. A ambiciosa experiência desmoronou em apenas um ano, depois de perder sua maioria tênue, prejudicando a credibilidade de seus integrantes de partidos de esquerda, que votaram a favor de uma legislação para consolidar a ocupação dos territórios palestinos.

ex-premier enfrenta um processo de corrupção e vê na eleição um salvo-conduto

Desta vez, vários fatores ainda estão em jogo: a depender do comparecimento dos eleitores árabes, 20% da população, e de o partido Casa Judaica, em dificuldades, conseguir superar o limite do Knesset de 3,25%, qualquer um dos blocos poderá obter vitória apertada. A diferença mais significativa entre as eleições de novembro e as quatro anteriores é, porém, a ascensão do político de extrema-direita Itamar Ben-Gvir e sua chapa religiosa sionista.

Ben-Gvir, ex-discípulo do terrorista rabino Meir Kahane, ficou famoso quando adolescente por roubar o enfeite do capô do carro do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, um dos arquitetos do processo de paz de Oslo nos anos 1990. “Assim como chegamos ao carro dele, chegaremos até ele”, disse Ben-Gvir a uma equipe de tevê. O primeiro-ministro foi assassinado por um extremista judeu semanas depois.

Ben-Gvir construiu uma carreira jurídica na defesa de judeus acusados de terrorismo e crimes de ódio, e foi indiciado mais de 50 vezes por incitação. Várias tentativas de ingressar no Knesset alcançaram a meta em 2021, quando sua aliança conquistou seis assentos. Desde então, o político extremista tornou-se cada vez mais popular e angaria votos de uma chapa de direita recém-dissolvida. Atualmente, espera-se que a chapa de Ben-Gvir consiga o terceiro lugar nas eleições de novembro. Sua ascensão se deve em parte a ­Netanyahu, que cortejou a extrema-direita nos últimos anos e prometeu ao ex-advogado um cargo de gabinete em seu próximo governo. A recém-anunciada proposta de “lei e justiça” do partido religioso sionista para reformar o Judiciário israelense tem sido amplamente interpretada como uma tentativa de derrubar os casos de corrupção do ex-primeiro-ministro.

A crescente popularidade de Ben-Gvir também irritou Netanyahu. A mídia israelense informou recentemente que ele exigiu que sua lista receba as pastas de Justiça, Segurança e Finanças, e, num evento em Kfar Chabad, guardas de segurança foram enviados para tirar o candidato a parceiro de coalizão do palco antes da entrada de Netanyahu, para que o ex-primeiro-ministro evitasse ser fotografado a seu lado.

Cidadãos palestinos de Israel e observadores internacionais estão horrorizados com a perspectiva de Ben-Gvir se tornar um ministro de gabinete: ele tem repetidamente pedido a expulsão dos árabes-israelenses que são “des­leais” ao Estado. Robert Menendez, presidente do comitê de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos, teria advertido Netanyahu de que incluir políticos de extrema-direita em um potencial futuro governo prejudicaria as relações entre Washington e Tel-Aviv.

Para muitos eleitores da direita em Israel com quem o Observer conversou no colorido mercado Meyhane Yehuda, em Jerusalém Ocidental, a opção preferida é o fim definitivo do impasse político, mesmo que signifique a formação do governo mais extremista da história israelense. “Fui apoiador do Likud toda a minha vida. Não me importo com quem seja o primeiro-ministro, me importo que ele possa fazer seu trabalho”, disse Abraham Levy, verdureiro de 73 anos. Um grande retrato de ­Menachem Begin, fundador do partido, está pendurado na parede ao fundo de sua loja. “As pessoas apoiam mais Bibi por causa de seu julgamento. Elas dizem: ‘Ah, ele fumou alguns charutos’, mas e daí? Outros primeiros-ministros estavam levando envelopes de dinheiro. Isso tem de acabar.”

Muitos no centro e na esquerda israelenses, assim como rivais dentro do Likud, estão esperançosos de que a eleição de novembro seja a última que Netanyahu ­disputará. Amsalem, o professor da Universidade Hebraica, não tem tanta certeza: “Acho que Netanyahu realmente acredita que pode vencer, pode dar um jeito. Para ele, é uma questão de sobrevivência”. •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves. 

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1232 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Bibi ao cubo “

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