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Do poder ao exílio: uma entrevista com Rafael Correa

O ex-presidente do Equador esmiúça o avanço da extrema-direita na América Latina e fala em ‘destruição’ para se referir ao próprio país

O ex-presidente do Equador, Rafael Correa. Foto: Kenzo TRIBOUILLARD/AFP
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Rafael Correa está fora do poder desde 2017. Mas as nuances da política, com suas reviravoltas, desigualdades e contradições, seguem rondando a cabeça do ex-presidente do Equador.

“É necessário inteligência, coordenação internacional, conhecer as rotas do dinheiro; é preciso valentia e independência”, diz ele, com a mão estendida sobre a mesa, listando aquilo que considera necessário para tirar o seu país da grave situação de violência em que se encontra. Como se, ao invés do presidente Daniel Noboa, herdeiro da mais rica família equatoriana, fosse o próprio Correa a dar as ordens no Palácio de Carondelet.

Nesta conversa com a CartaCapital em Caracas, onde participou do Seminário Internacional de Desenvolvimento Econômico, o ex-líder do Equador não se exime em apontar o que considera como erros da Justiça equatoriana e as incongruências da Operação Lava Jato

Confira a seguir os destaques.

Avanço da extrema-direita

O exílio na Bélgica após uma condenação no Equador que lhe tirou o direito de se candidatar, poderia ter distanciado Correa do metiê político latino-americano. Desde a Europa, porém, ele encontra semelhanças entre o avanço da extrema direita no bloco europeu e certo processo de deterioração de regimes democráticos na América Latina. Bolsonaro, Le Pen, Milei e Meloni são nomes distintos e frutos de contextos políticos específicos, mas que, ao fim, expressam, cada um ao seu modo, um fenômeno comum. 

Qual é a origem, então, desse fenômeno? “A decepção com a democracia e a crença de que não se pode perder mais”, lamenta Correa. Esses seriam “vieses cognitivos” que servem como terreno fértil para a disseminação de notícias fartas, alerta o ex-presidente.

“Não podemos colocar todos na mesma cesta”, pondera Correa. “Bukele não é Bolsonaro, Noboa não é Milei”, frisa o ex-mandatário, enquanto ergue os olhos para falar do novo presidente do Equador, encontrando ali a chance de colocar para fora as impressões sobre seu próprio país.

“Noboa, na verdade, se faz passar por um social-democrata. Noboa é uma criança vaidosa que leva seus milhões e não é nada. É totalmente despreparado para governar. Ele tem um brinquedo novo e pensa que mora em uma ilha bananeira, mas não é, necessariamente, um extremista”, pondera. Nayib Bukele, o excêntrico salvadorenho que quer pacificar o seu país com uma política de mão dura do Estado, segundo Correa, “teve grandes sucessos e, também, grandes erros”. “Ele ultrapassou os limites e atacou os direitos humanos. O que ele fez  foi uma surpresa, mas não é um cara estúpido”, sintetiza. “Cuidado: não se pode subestimá-lo”.

Já Javier Milei, da Argentina, exige, segundo Correa, mais cuidado na análise. “Milei talvez seja a figura mais representativa de uma extrema-direita que surge por vontade do povo. Não é, necessariamente, uma armadilha, como Bolsonaro no Brasil”, compara. 

Não é de hoje que os eventos políticos no Brasil – e não foram poucos, ao se considerar, por exemplo, os últimos dez anos do país – interessam a Correa. O principal deles? Aquilo que Correa chama de tentativa “roubo da democracia no Brasil”. “No Brasil foi uma armadilha. Roubaram a democracia do Brasil, quando roubaram a liberdade do [presidente] Lula“. 

A reviravolta no Equador

Ao ex-presidente equatoriano, é inevitável fazer comparações entre o Brasil e o Equador. Em termos de comparação, ele e o presidente Lula, por exemplo, foram alvos dos desdobramentos da Operação Lava Jato e enfrentaram as consequências de se verem afastados das instâncias políticas dos seus países.

Embora não negue o que considera como gravidade no caso Lula – a prisão por 580 dias, a impossibilidade de concorrer nas eleições de 2018 -, Correa diz que, no seu caso, não lhe foi roubada a liberdade, mas, mais que isso, a sua reputação.

Correa diz que ação judicial no Equador lhe tirou a reputação. Foto: Luiz Azenha/Revista Fórum

“Me condenaram por influência psíquica. Um dia antes da minha inscrição como candidato, roubaram a democracia do povo equatoriano porque, caso contrário, [Guillermo] Lasso nunca teria sido presidente”, aponta. Correa, junto com o ex-vice-presidente Jorge Glas, foram condenados em abril de 2020 no chamado “Caso Subornos”, que envolvia suposta prática de corrupção em troca de contratos públicos.

Politicamente, para Correa, “destruíram tudo” no Equador. Ele diz que saiu da presidência com o país ostentando as melhores taxas de segurança da América Latina, mas hoje, “somos um dos países mais perigosos do planeta e temos a cidade mais violenta do mundo [Durango, na região metropolitana de Guayaquil]”. “Eu nunca vi uma destruição tão rápida em um país sem bloqueios e em tempos de paz”, lamenta. A razão principal, segundo o ex-mandatário, é o desmonte do estado equatoriano, que levou ao esfacelamento de órgãos de fiscalização e ao fortalecimento da estrutura do narcotráfico no país.

Indefinições na Venezuela

“A Venezuela sempre foi uma democracia, sempre teve eleição”, assevera Correa, “mas, como não ganham quem eles querem, começam a questionar”. Aliado de Nicolás Maduro, Correa também atribui a “eles” – leia-se, Estados Unidos e Europa – o apoio dado a Juan Guaidó, que chegou a se proclamar presidente do país, ainda em 2019. Tempos depois, frente à falta de legitimidade da autoproclamação, Guaidó saiu do protagonismo da oposição venezuelana. “Um congressista de terceira categoria decidiu se proclamar presidente em uma praça. E apoiado pelos EUA e pela Europa.”

Na linha do que sustenta o governo Maduro, Correa atribuiu a maioria dos problemas venezuelanos – inflação alta e elevados índices de pobreza – às sanções contra a Venezuela. “A grande vítima é o povo venezuelano”, observa, “com as sanções ilegais começadas pelo [ex-presidente dos EUA, Barack] Obama”. Economista, Correa maneja números para tratar do caso: “as refinarias têm tecnologia americana. Com o bloqueio, porém, não pode funcionar. Falta gasolina e há cortes de energia. De forma imaginativa, a Venezuela vai superando os problemas. Antes, 3 milhões de barris eram produzidos. Agora, está chegando a 900 mil barris diários, mas é o dobro dos 400 mil diários que chegaram a ser produzidos. Infelizmente, o dano e o sofrimento humano foram muito grandes”. 

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