Esquerda dissidente surpreende e Chile terá 2º turno

Candidatura de jornalista que tem como base o movimento estudantil ficou em terceiro lugar e será decisiva na disputa entre Piñera e Guillier

Beatriz Sánchez celebra resultado: o Chile tem uma nova força política

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A expectativa para as eleições chilenas era de que o conservador Sebastián Piñera tivesse uma votação expressiva e, eventualmente, retornasse à presidência do país até mesmo no primeiro turno. Com a abertura das urnas, no domingo 19, tudo mudou. Apoiada no movimento estudantil, a jornalista Beatriz Sánchez obteve uma votação expressiva e, ainda que tenha ficado de fora do segundo turno, será decisiva na disputa entre Piñera e o governista Alejandro Guillier, que passa a ser o favorito.

Desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, em 1990, a política chilena foi dominada pela Concertación, uma coalizão de centro-esquerda. O controle do bloco só foi rompido em 2010, justamente por Piñera, um liberal na economia e conservador nos costumes que presidiu o país até 2014. 

Nas eleições deste ano, esperava-se uma nova polarização entre Piñera e a principal força remanescente da Concertación, representada pela Nova Maioria, bloco que sustenta a presidente Michele Bachelet e apoia Guillier.

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Faltou combinar com os eleitores de Beatriz Sánchez. Crítica de Piñera, mas também do governo de Bachelet, a jornalista obteve a mais bem sucedida candidatura entre as esquerdas extraoficiais desde 1989. Foram 1,33 milhão de votos (20,27%), apenas 160 mil a menos que Guillier (22,7%). Piñera foi o primeiro colocado com 2,4 milhões de votos, ou 36,64% do eleitorado.

Guillier terá de atender aos eleitores de Sánchez para ser eleito (Foto: Claudio Reyes / AFP)


No segundo turno, além dos votos de Sánchez, Guillier terá de buscar os votos obtidos pela candidata da Democracia Cristã, Carolina Goic (5,88%), e pelo progressista Marcos Enríquez-Ominami (5,68%). Piñera deve tentar atrair os quase 523 mil eleitores (7,93%) que deram o quarto lugar a José Antonio Kast,  candidato de extrema-direita que reivindica o legado da ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990).

Chegou para ficar

Sánchez lidera a Frente Ampla, coalizão de centro-esquerda baseada no movimento estudantil e que defende uma transição do “poder de poucos para o poder de muitos”. A marca de sua campanha é o engajamento de 16 mil colaboradores na construção de sua plataforma, especialmente de jovens. Entre as propostas estão o imposto sobre grandes fortunas, a reestruturação do modelo de saúde e uma maior integração com a América Latina, tendo a Frente Amplio uruguaia como referência.

Além do terceiro lugar nas eleições presidenciais, o bloco conseguiu eleger um senador e 20 deputados, o que dará ao movimento uma capilaridade legislativa significativa. “A Frente Ampla chegou para ficar. Isso está começando agora, então preparem-se porque vamos com tudo”, afirmou Sánchez, segundo o jornal La Tercera. Sánchez afirmou que vai iniciar imediatamente as negociações com Guillier, que é jornalista como ela e seu amigo. “Sebastián Piñera é um retrocesso para o país”, afirmou.

A negociação entre Guillier e Sánchez não deve, entretanto, ser fácil. Há diferença importantes entre os dois blocos, que ultrapassam as fronteiras desta eleição. “Acabou a hegemonia da Concertación sobre a esquerda no Chile”, escreveu Carlos Ruiz, referência do movimento Izquierda Autónoma, que compõe a frente de Sánchez. 

Piñera: o bilionário pode tentar buscar o centro ou apostar no extremismo de Kast (Foto: Martin Bernetti / AFP)

“Acabou o duopólio. Está força chegou para ficar, chegou para ser uma força significativa. AInda que seja minoritária do ponto de vista institucional, é significativa”, afirmou Juan Latorre, senador eleito pela Frente Ampla em Valparaíso.

Piñera ficou com um resultado oito ou nove pontos abaixo do que se esperava e Guillier não brilhou, situação reconhecida por representantes dos dois candidatos. “É um evento político de grande magnitude”, reconheceu o senador de direita Andrés Allamand, explicando que depois de anos em que a política chilena se dividiu entre duas coalizões políticas: a ala direita de Piñera e a coalizão governamental de centro-esquerda, agora há um terceiro ator, a esquerda radical. “Representa um desejo de renovação que não foi identificado”, ressaltou o líder governista Pepe Auth.

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