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Nova lei que adota semana de 6 dias de trabalho na Grécia desperta a ira de sindicatos

Governo afirma que a iniciativa se tornou necessária devido aos perigos de uma população cada vez menor e da escassez de trabalhadores qualificados

Kyriákos Mitsotákis, primeiro-ministro da Grécia. Foto: Ludovic Marin/AFP
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Enquanto muitos países estão experimentando uma semana de trabalho de quatro dias, a Grécia se move em direção oposta com a aprovação de uma nova lei, que entrou em vigor na segunda-feira 1º, permitindo que mais empregados trabalhem seis dias por semana. Sob o slogan “trabalhar mais para ganhar mais”, em defesa da nova carga de até 48 horas por semana, o governo liberal de centro-direita do primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis gera controvérsia com os sindicatos trabalhistas e reações da mídia europeia.

A francesa BFMTV destacou nesta quarta-feira 3 que Mitsotakis afirma que sua medida é “favorável aos trabalhadores” e “profundamente orientada para o crescimento”. Para o primeiro-ministro, a semana de seis dias resolveria o problema das horas extras não pagas e combateria o trabalho não declarado. Ao mesmo tempo, seria capaz de responder aos desafios econômicos de um país que enfrenta uma população cada vez menor e baixa produtividade.

Enquanto alguns países da Europa Ocidental, como a Alemanha e a França, questionam regularmente a conveniência de adotar uma semana de trabalho de quatro dias, a Grécia segue na direção oposta, acrescentando horas à jornada semanal.

Segundo o Observatório da Europa, dados do Eurostat (gabinete de Estatísticas da União Europeia) de 2023 já mostravam que a média da semana de trabalho na Grécia era de 39,8 horas, a mais alta da União Europeia, seguida pela Polônia e Chipre. A média europeia é de 36,1 horas por semana, sendo que a Holanda tem a menor quantidade de horas, com 32,2 horas por semana.

Realidade controversa

Sob certas condições, a semana de seis dias já era uma realidade para os gregos que trabalhavam nos setores de turismo ou alimentação. Desde segunda-feira, essa nova medida também se aplica a funcionários de empresas que operam 24 horas por dia e àqueles que podem justificar uma “carga de trabalho excessiva”.

Nesses casos, o sexto dia é pago 40% a mais do que um dia normal. E ainda mais se esse dia for um domingo ou feriado público.

Em um país permanentemente empobrecido por uma década de crise econômica, o diário de oposição Efsyn está irritado: “O alto custo de vida e os baixos salários estão forçando os funcionários a aceitar um sexto dia de trabalho em detrimento de sua qualidade de vida”, conclui.

Governo alega escassez e “fuga de cérebros”

Depois de superar outros países europeus em termos de crescimento econômico, a nação que já esteve no centro da pior crise financeira do continente contrariou a tendência global de redução de carga horária, segundo o jornal britânico The Guardian.

“Não faz sentido algum”, disse Akis Sotiropoulos, membro do comitê executivo do sindicato de funcionários públicos Adedy. “Quando quase todos os outros países civilizados estão adotando uma semana de quatro dias, a Grécia decide ir na direção oposta”, criticou.

O governo pró-negócios do primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis, afirma que a iniciativa se tornou necessária devido aos perigos duplicados de uma população cada vez menor e da escassez de trabalhadores qualificados. Antes de anunciar a legislação – parte de um conjunto mais amplo de leis trabalhistas aprovadas no ano passado – Mitsotakis descreveu a mudança demográfica projetada como uma “bomba-relógio”.

Em um êxodo sem precedentes, estima-se que cerca de 500 mil gregos, em sua maioria jovens e instruídos, tenham emigrado desde que a crise da dívida, que já dura quase uma década, estourou no final de 2009.

Salários baixos X custos elevados

A oposição de esquerda tem criticado com frequência os salários baixos para custos de vida elevados no país, alegando que o fenômeno só exacerbou a fuga de cérebros.

“O que o governo está dizendo essencialmente é ‘vá e trabalhe por mais tempo, nós faremos vista grossa mesmo que você seja um aposentado'”, disse Grigoris Kalomoiris, que dirige o sindicato dos professores aposentados (Pesek).

“Ele sabe que a maioria dos gregos, com um salário mensal médio de € 900 (cerca de R$ 5.300), só consegue sobreviver até o dia 20 do mês. Essa última medida bárbara não resolverá o problema fundamental da escassez de mão de obra e muitos de nós achamos que ela é muito injusta com os jovens gregos desempregados que talvez nunca tenham um emprego”, opinou.

“O núcleo dessa legislação é favorável ao trabalhador e profundamente voltado para o crescimento”, defendeu o primeiro-ministro Mitsotakis antes de o parlamento grego aprovar a lei. E acrescentou, nas palavras dele, que a diretriz “coloca a Grécia em linha com o resto da Europa”.

Sindicatos defendem menos horas

Mas a reação tem sido feroz. Em um país com quase nenhuma tradição de inspeções no local de trabalho, os críticos afirmam que a reforma acaba por soar a sentença de morte da semana de trabalho de cinco dias, principalmente porque permite que os empregadores ditem se um sexto dia de trabalho é necessário.

Para os oponentes, que já saíram às ruas para protestar, a reforma corrói as proteções legais e retrocede os direitos dos trabalhadores há muito estabelecidos em nome da flexibilidade.

Os sindicatos também viram seu poder diminuir como resultado da promulgação de medidas de austeridade por uma Atenas endividada. Os sindicatos há muito argumentam que as horas extras permitem que os empregadores não contratem mais funcionários.

E de fato, programas experimentados de semanas de quatro dias têm mostrado repetidamente níveis mais altos de produtividade, com pesquisadores atribuindo o resultado a níveis melhores de concentração. Em 2022, a Bélgica legislou para dar aos funcionários o direito legal de distribuir sua semana de trabalho em quatro dias, em vez de cinco, e foram realizados programas-piloto em países como Reino Unido, Alemanha, Japão, África do Sul e Canadá.

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