Mundo
Pinochet, presente
A extrema-direita impõe contundente derrota a Gabriel Boric e conquista a maioria na Assembleia Constituinte
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O Chile continua refém do ditador Augusto Pinochet. Só uma espécie de síndrome de Estocolmo, em um sentido mais profundo, freudiano, pode explicar a composição da nova Assembleia Constituinte, escolhida pelo voto popular no domingo 7. Das 50 cadeiras, 22 serão ocupadas pelo Partido Republicano, de extrema-direita e sob o comando de José Antonio Kast, derrotado nas eleições presidenciais em dezembro de 2021. A frente direitista Chile Seguro conquistou outros 11 assentos. Sobraram 17 vagas para a coligação de centro-esquerda do presidente Gabriel Boric. Os números por si só seriam horríveis para quem acreditava em um país diferente depois das manifestações de 2019 e 2020, mas Boric fez mais em favor da oposição reacionária: deu-lhes um meme ao ficar entalado em um tobogã. Psicanálise? Raramente uma imagem resumiu de forma tão perfeita os gargalos de um governo.
Façamos um fast forward desse filme: os chilenos transformaram as ruas do país em uma segunda casa entre 2019 e 2020. Os massivos e contínuos protestos dividiram a atenção mundial com os primeiros sinais da pandemia da Covid-19 e alimentaram a esperança de mudanças radicais em um país subjugado por uma Constituição neoliberal imposta pela ditadura pinochetista, onde uma maioria desprovida de acesso à saúde e à educação ao longo da existência está fadada a terminar a vida com uma aposentadoria miserável administrada por empresas privadas. O “basta” da população, ou melhor, o que parecia ser um “basta”, teve dois resultados, a eleição do jovem Boric, cevado no renovador movimento estudantil do país, e a instalação de uma Assembleia Constituinte apoiada por 80% da população e dominada por indígenas, mulheres e progressistas de modo geral. Às viúvas de Pinochet sobraram algumas vagas e a sensação de que os tempos haviam mudado.
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