Portugal promete devolver obras e arte e outros tesouros a ex-colônias

O Ministério da Cultura planeja, antes, fazer um inventário completo do patrimônio em museus e palácios

O premiê de Portugal, António Costa. Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP

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Para desgosto – e ira – dos eleitores do Chega, das viúvas da ditadura salazarista e dos portugueses saudosos dos tempos áureos das navegações, o ministro da Cultura do país, Pedro Adão e Silva, promete durante sua gestão tratar da devolução às ex-colônias de obras de arte, bens culturais, objetos de culto e até restos mortais ou ossadas retiradas das comunidades originais durante séculos de dominação.

Consciente da polêmica em torno do assunto, Adão e Silva afirmou que o processo será tratado com discrição. “A forma eficaz para tratar este tema é com reflexão e alguma reserva”, declarou ao jornal Expresso. “A pior forma de tratar este tema é criar um debate público polarizado, não contem comigo para isso. É preciso um trabalho que envolva os museus e a academia de uma inventariação mais fina, e posso garantir que este trabalho será feito.”

A devolução de relíquias e artefatos aos proprietários originais, saqueados ao longo de séculos, tem ficado mais comum na Europa e nos Estados Unidos.

Em agosto, o museu britânico Horniman anunciou o envio à Nigéria de 72 obras da época do reino do Benim.

Em setembro, a Justiça dos Estados Unidos ordenou o envio ao Egito de 16 tesouros avaliados em 4 milhões de euros, cerca de 25 milhões de reais. Cinco dos artefatos “pertenciam” ao Metropolitan Museum of ArtOs museus franceses comprometeram-se a fazer o mesmo. 

Por causa da onda revisionista, o governo egípcio solicitou ao Museu Britânico a devolução da Pedra de Roseta, decisiva na compreensão dos hieróglifos e da cultura do Egito Antigo. A pedra, datada do ano 196 antes de Cristo, foi escavada pelo exército de Napoleão, em 1799. Após a derrota do imperador francês, acabou confiscada pelo Reino Unido e levada ao British Museum.


O revisionismo histórico provoca, no entanto, um peculiar incômodo em Portugal, país pequeno que busca nas glórias do passado um caminho de afirmação no mundo moderno. Mesmo as mentes mais progressistas têm dificuldade para se desvencilhar do orgulho colonial.

Parte dos portugueses, ao serem confrontados com o assunto, recorrem à tese de que são histórias do passado e lá devem permanecer. O melhor seria esquecer e olhar para o futuro. Outros relacionam o debate à invasão de imigrantes e a uma tentativa de destruição da identidade nacional tramada por comunistas, globalistas e estrangeiros, principalmente integrantes das ex-colônias. A insatisfação, não raro, se mistura à xenofobia e ao racismo e tem sido explorada, com certa eficiência, pelos extremistas do Chega, partido cuja principal promessa é devolver aos compatriotas o orgulho imperial.

O revisionismo histórico provoca, no entanto, um peculiar incômodo em Portugal

O debate sobre a reparação ou o simples reconhecimento de que a “glória” portuguesa foi construída com sangue, brutalidade e saques engrossam um caldo mais denso e complexo: os colonizadores a cada dia estão em menor número. Segundo o Censo do ano passado, pela segunda vez em 150 anos Portugal perdeu habitantes (são 10,3 milhões agora). A queda só não foi maior por causa da chegada de imigrantes, entre eles 90 mil brasileiros, além de nepaleses e indianos. Um em cada quatro moradores tem mais de 65 anos.

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