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Reino Unido e EUA preocupados com vitória de Mugabe em eleição

Tsvangirai diz que vai tentar soluções pacíficas, legais e diplomáticas, enquanto o MDC pede apoio para novo pleito

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Por David Smith, em Harare*

Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha expressaram preocupações depois que Robert Mugabe foi declarado vencedor da eleição presidencial em Zimbábue no último sábado com 2.110.434 votos, ou 61% do total; Morgan Tsvangirai ficou com 34%. A margem foi suficiente para evitar um segundo turno, como em 2008.

Enquanto seguidores do Zanu-PF comemoravam o anúncio da comissão eleitoral nacional, Tsvangirai e outros líderes do MDC (sigla em inglês de Movimento por Reformas Democráticas) realizaram uma entrevista coletiva da qual participaram embaixadores de países ocidentais, entre eles a Grã-Bretanha. “A eleição fraudulenta e roubada mergulhou o Zimbábue em uma crise constitucional, política e econômica”, disse Tsvangirai. “Em vez de comemoração, há um luto nacional.”

John Kerry, o secretário de Estado dos EUA, elogiou a população por rejeitar a violência, mas acrescentou: “Não se iludam: diante das substanciais irregularidades eleitorais relatadas por observadores domésticos e regionais, os Estados Unidos não acreditam que os resultados anunciados hoje representem uma expressão verossímil da vontade do povo zimbabuense”.

O secretário das Relações Exteriores britânico, William Hague, também manifestou “graves preocupações” sobre a condução do pleito.

O MDC vai boicotar as instituições oficiais e “buscar soluções pacíficas, legais, políticas, constitucionais e diplomáticas”, incluindo em tribunais, disse Tsvangirai. O MDC pediu que órgãos regionais africanos se reúnam com urgência para restaurar a legitimidade no Zimbábue e pediu uma nova eleição assim que possível.

Indagado sobre a ausência de revolta popular, Tsvangirai respondeu: “Por que deveria haver? Nosso povo é disciplinado. Não se resolvem problemas criando violência. Na verdade, estamos neste estágio por causa da disciplina de nossa população. Se fosse em qualquer outro país, estariam queimando casas. Eles decidiram não fazer isso porque sabem que afinal não queremos uma solução violenta para esta crise”.

Ele negou que o resultado tenha levantado dúvidas sobre sua liderança. “Nós não perdemos esta eleição. Nós ganhamos. É imaginação do Zanu-PF que eles a ganharam, mas eles sabem a verdade. Esta não é uma questão pessoal, é uma questão nacional. Se o MDC perdeu esta eleição, não foi Tsvangirai quem perdeu.” “Até agora eu tenho o pleno apoio do conselho nacional e o pleno apoio da população do Zimbábue. Até o momento em que eles puderem expressá-lo, então poderemos conversar a respeito.”

Em curto prazo, existe a questão de uma reação apropriada a uma eleição que provavelmente será ratificada pelos observadores africanos. Tanto o MDC como observadores independentes afirmam que ela foi manipulada com sutileza e sofisticação.

“Eles levaram esta eleição da margem da violência para a margem de erro — do porrete e do machado para o computador”, disse o secretário-geral do MDC, general Tendai Biti.

O Zanu-PF desafiou o MDC a contestar o resultado na justiça, mas este enfrentaria juízes indicados por Mugabe. Uma alternativa é o protesto de massa. O “comício da travessia” final do MDC atraiu cerca de 100 mil pessoas. Poucos no lado otimista adivinharam que a “travessia” seria para o potencial esquecimento. Mas há escassos sinais de que aqueles milhares sairão às ruas em uma revolta no estilo egípcio contra o domínio de 33 anos de Mugabe.

“Isso não vai acontecer em um ambiente como este, porque é a morte certa”, disse Roy Bennett, tesoureiro-geral do MDC, que afirma ter sido levado ao exílio na vizinha África do Sul. “Qualquer um que sair para protestar agora será morto. Seria o suicídio, e quem vai cometer suicídio?”

Bennett disse que a liderança do MDC enfrentou restrições semelhantes, mas propôs uma campanha de resistência passiva. “A menos que o MDC aja decididamente agora, o Zanu-PF vai governar para sempre e o MDC desaparecerá no esquecimento”, disse. “As pessoas precisam de uma liderança forte. Quando não têm, surgem novos líderes.”

Perguntado se Tsvangirai pode oferecer isso, Bennett, que quis que o MDC boicotasse as eleições, hesitou antes de responder: “As próximas semanas provarão se ele tem coragem”.

Tsvangirai sobreviveu a espancamentos, prisões e tentativas de assassinato, e quase foi atirado de uma janela no décimo andar. Ele tentou desalojar Mugabe três vezes e falhou, mas seus seguidores afirmam que, em condições justas, teria vencido todas as vezes.

Em 2008, a presidência parecia nas suas mãos quando ele venceu Mugabe no primeiro turno, mas recusou uma confirmação citando a violência contra seguidores, que deixou mais de 200 mortos.

Tsvangirai tornou-se o primeiro-ministro em um governo de coalizão e acreditava que pudesse vencer com facilidade desta vez. Mas seu partido perdeu muitos zonas eleitorais. Os resultados até agora pintam o mapa eleitoral com o verde do Zanu-PF, com alguns bolsões em vermelho do MDC. Seja qual for o grau de manipulação, alguns acreditam que Tsvangirai foi um líder fraco, que deixou o MDC se manchar pela corrupção e fez opções descuidadas ao buscar uma esposa.

O colunista político Tawanda Majoni disse: “Está claro que o MDC cometeu vários erros fatais durante o mandato do governo de união nacional, desde as gafes amorosas de Tsvangirai até a política branda do partido durante o período em questão. (…) O MDC deveria ter usado a proximidade do poder para conquistar certa influência, mas não o fez.”

Mas Tsvangirai, um ex-sindicalista, parecia redescobrir sua atração nas últimas semanas, quando teve de fazer o que faz melhor, mobilizar as multidões. Jameson Timba, ministro de Estado no gabinete de Tsvangirai, disse: “Na minha opinião, Morgan Tsvangirai ainda tem ímpeto para completar a luta pela reforma democrática”.

Petina Gappah, uma escritora e comentarista política, admitiu que estava ao lado dos céticos que descartavam o MDC no início do ano. Mas acrescentou: “Muita gente está apontando dedos para Morgan, mas ninguém poderia ter previsto isto.

“Meu respeito por Morgan aumentou e, se ele sair, será um herói para muitos e não terá de se envergonhar de nada. Ele e seu partido nos deram uma oposição política. Até o final dos anos 1990, tínhamos um Estado de um só partido, e qualquer partido de oposição futuro deverá muito ao MDC.”

Nascido do movimento trabalhista em 1999, o MDC nunca pôde esquecer que os brancos foram muito atuantes em seu início. O Zanu-PF ainda o pinta como um fantoche do imperialismo ocidental, apesar de a multidão no comício da última segunda-feira ser 99,9% negra.

Membros do MDC foram assassinados, torturados e presos durante uma longa luta, e o prêmio hoje parece mais distante que nunca. O partido está em uma encruzilhada, sabendo que durante décadas os movimentos de oposição pouco avançaram contra governos de libertação nos vizinhos Botsuana, Moçambique e África do Sul, embora Zâmbia tenha sofrido uma transferência de poder democrática.

Bennett chegou a prever que uma “ala armada” do MDC poderia surgir para atacar a “junta militar” de Mugabe. Mas a polícia mantém sob vigilância as pessoas que fazem compras ou passeiam em parques, e o Zimbábue parece ilustrar a ideia de que “nada, ou alguma coisa, acontece em qualquer lugar”.

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