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Saiba quem são os empresários franceses por trás do avanço do partido de Marine Le Pen

Pequeno círculo de milionários católicos dá um apoio cada vez mais explícito à ideologia nacionalista defendida pelo RN

Marine Le Pen, líder da extrema-direita francesa. Foto: GEOFFROY VAN DER HASSELT / AFP)
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Para compreender a ascensão da extrema-direita na França, que pela primeira vez poderá eleger a maioria absoluta dos deputados na Assembleia Nacional, é preciso se aproximar de um pequeno círculo de milionários católicos conservadores que dão um apoio cada vez mais explícito à ideologia nacionalista defendida pelo RN.

Um deles é o controvertido industrial, empresário, proprietário de mídia e bilionário Vincent Bolloré, acionista do grupo Universal Music, dono do grupo Vivendi e do Canal+, que tem, entre outras filiais, o canal de TV CNews e o jornal JDD (Journal du Dimanche). Bolloré é o oitavo empresário mais rico da França e ocupava, no ano passado, a 202ª posição no ranking mundial da revista Forbes.

Em junho, pelo segundo mês consecutivo, a emissora CNews liderou a audiência dos canais de notícias 24 horas no ar, depois de destronar em maio, pela primeira vez, o concorrente BFMTV, de acordo com dados da empresa de consultoria Médiamétrie. O CNews é boicotado por muitas personalidades de esquerda que o acusam de se posicionar na extrema-direita, o que seus dirigentes contestam. Mas dois de seus ex-colunistas, Pierre Gentillet e Guillaume Bigot, são candidatos do RN nas eleições legislativas.

Da mesma forma que o canal C8, que pertence ao mesmo grupo, o CNews é frequentemente notificado por irregularidades pela Arcom, a agência reguladora do sistema audiovisual francês. Em maio, a Arcom multou o C8 em 50 mil euros (cerca de 300 mil reais) por comentários do jornalista Geoffroy Lejeune, segundo os quais o antissemitismo e a superlotação das prisões na França eram consequências da “imigração árabe-muçulmana”.

Lejeune tem um histórico profissional marcado por polêmicas. Ele dirigiu durante sete anos a revista Valores Atuais (Valleurs Actuelles), considerada porta-voz das ideias de extrema-direita. Desde agosto do ano passado, ele dirige o Journal du Dimanche (JDD), comprado por Bolloré em 2023. A aquisição desse veículo centenário por uma personalidade controvertida provocou uma greve inédita dos jornalistas.

“Ódio aos muçulmanos substituiu ódio aos judeus”

Em recente entrevista ao site The Conversation France, o historiador Alexis Lévrier, especialista na história do jornalismo, explicou que Bolloré começou a construir seu império de mídia nos anos 2000, para colocar seus veículos e emissoras “a serviço de um projeto político, cultural e de civilização”.

Parte da mídia de Vincent Bolloré pode ser considerada, segundo o historiador, como o elo entre a extrema-direita que triunfou na França entre o fim do século 19 e o período colaboracionista na Segunda Guerra Mundial, e o forte retorno do discurso anti estrangeiros visto na atualidade.

“Muitos editorialistas do CNews ou do JDD estão obcecados com a defesa de uma nação branca e cristã, mas, na sua imaginação, o ódio aos muçulmanos substituiu o ódio aos judeus”, afirmou o historiador a The Conversation.

Outro bilionário próximo do RN é o empresário Pierre-Edouard Stérin, 104ª maior fortuna da França, fundador do grupo Smartbox e do fundo de investimentos Otium Capital. Exilado fiscal na Bélgica, Stérin está envolvido em uma disputa para comprar a revista progressista Marianne, mas enfrenta forte resistência da redação.

Uma reportagem do jornal Le Monde revelou, na semana passada, toda a esfera de influência deste empresário no partido de Marine Le Pen. Defensor do catolicismo tradicionalista, Stérin é um ativo militante antiaborto, adepto da ideologia da “grande substituição”, a teoria racista que fantasia o desaparecimento da identidade francesa por causa da imigração. Ele financia várias fundações filantrópicas, entre elas uma que favorece a instalação de escolas privadas católicas não mistas na França, onde só estudam meninos ou meninas, para que tenham acesso a uma “autêntica educação católica”.

No ano passado, Stérin e o número 2 de seu fundo de investimento, François Durvye, compraram a casa onde vive Jean-Marie Le Pen, 96 anos, pai de Marine, fundador da Frente Nacional nos anos 1970 por 2,5 milhões de euros (cerca de 15 milhões de reais), uma operação considerada financeiramente vantajosa para Marine Le Pen e uma de suas irmãs, Yann, que assinaram o contrato.

Há vários anos, Marine, que acaba de ser reeleita deputada no primeiro turno das legislativas, investe na mudança de imagem do partido que herdou do pai. Em 2018, a Frente Nacional passou a se chamar Reunião Nacional, em uma estratégia implementada por Le Pen para apagar da memória dos franceses o passado racista, xenófobo e antissemita do movimento criado por seu pai.

“Círculo de Versalhes”

Segundo o Le Monde, François Durvye já faz há algum tempo a articulação entre o partido de Le Pen e um grupo de católicos da cidade de Versalhes, próximos do empresário Pierre-Edouard Stérin. Esse “círculo de Versalhes” permitiu à líder de extrema-direita escalar vários funcionários públicos de alto escalão para trabalhar com ela na Assembleia Nacional. Também foi Stérin quem articulou a aproximação entre o RN e Éric Ciotti, o presidente do partido Os Republicanos que logo após a dissolução da Assembleia Nacional pelo presidente Emmanuel Macron, em 9 de junho, causou um racha na legenda ao fechar uma aliança para disputar as legislativas em coligação com a extrema-direita.

De acordo com o jornal, o novo projeto político do milionário Stérin é o instituto Politicae, que visa ajudar candidatos não qualificados a conquistarem prefeituras francesas em 2026.

No fim de março, o partido de Marine Le Pen anunciou que tinha conseguido arrecadar 4,32 milhões de euros (cerca de 25 milhões de reais), sob a forma de empréstimos concedidos por dez credores privados, para financiar a campanha para as eleições europeias de 2024. Os mesmos empresários devem estar esfregando as mãos com a perspectiva de o nacionalista Jordan Bardella se tornar o chefe de governo da França na noite de 7 de julho, se a sigla obtiver a maioria absoluta da Assembleia Nacional depois do segundo turno.

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