Terapia de choque

Milei tenta, como ensinou Maquiavel, “fazer o mal de uma só vez”, mas o tempo joga contra suas ambições

Apocalipse . Na mensagem de fim de ano, Milei antevê uma catástrofe de proporções bíblicas. Em 20 dias, o presidente quase não deu as caras – Imagem: Luis Robayo/AFP

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O presidente argentino ­Javier Milei decidiu levar ao extremo, ou ao pé da letra, um conselho de ­Nicolau Maquiavel: fazer todo o mal de uma só vez. Os 664 artigos da “lei-ônibus”, somados aos 336 pontos de um decreto promulgado no período de festas natalinas, alteram de maneira profunda o ordenamento jurídico e econômico do país. Somem-se às medidas as trocas no comando das Forças Armadas, a recusa a integrar o BRICS e o alinhamento automático a Washington. Em um vídeo fúnebre de fim de ano, divulgado no sábado 30, Milei prometeu aos compatriotas uma descida ao inferno, sem escala no purgatório. A vida será difícil, mas, se as medidas não forem aprovadas pelo Congresso, dramatizou, haverá uma catástrofe econômica de proporções bíblicas, “de magnitude desconhecida por qualquer argentino vivo”. O autointitulado libertário não poderá, concordemos, ser acusado de estelionato eleitoral.

Uma parte dos analistas internacionais vê na blitzkrieg de Milei uma “evolução” da estratégia do extremismo de direita, após o fracasso de Jair Bolsonaro no Brasil. Nada de concessões à democracia, nenhuma brecha à reorganização da oposição e dos movimentos sociais, nenhum átimo à reflexão dos eleitores. Ainda assim, não está claro se vai funcionar. Os cerca de mil artigos que liberaram os preços controlados, mudaram as leis trabalhistas e aumentaram o poder do Executivo entraram em vigor imediatamente, mas agora dependem do aval do Parlamento e da Justiça. A menos de um mês na Casa Rosada, Milei enfrenta crescentes dificuldades para emplacar o megapacote, em meio à fragilidade da base parlamentar e à resistência nos tribunais, enquanto o apoio popular declina de forma exponencial e o presidente se vê obrigado a se livrar de subordinados fiéis em nome da governabilidade.

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1 comentário

CESAR AUGUSTO HULSENDEGER 7 de janeiro de 2024 14h38
O discurso de “après moi, le deluge” nunca se sustenta. Ao contrário dos brasileiros, os argentinos - especialmente os portenhos - não aceitam quietos o azougue do “mercado” quando lhes corta direitos. Estive em Buenos Aires em 2007, 2016 e 2018 e vi ao vivo o que é uma manifestação deles. São pequenas em número de pessoas, mas fazem muito barulho e sabem exatamente o que querem. Milei aposta numa miragem e no apoio dos macristas, que serão os primeiros a roer a corda se o barco afundar.

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