André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp, pesquisador associado do IBRE-FGV e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP. É co-autor de 'Brasil, uma economia que não aprende'

Opinião

A decisão conservadora do Copom não foi suficiente para a Faria Lima

Não bastou o Copom ser conservador. O preço cobrado pelo “resgate da credibilidade” aumentou e já ganha ares de chantagem. Emoções fortes adiante!

O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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Inauguro minha contribuição a CartaCapital refletindo sobre a importância da decisão da última reunião do Copom, que manteve a taxa de juros inalterada em 10,5% ao ano. Dificilmente a taxa voltará a cair neste ano.

A divulgação da ata revela algum debate interno, mas nada substancial. No geral, o conselho entendeu que, diante da incerteza no cenário internacional, a cautela seria aconselhável. No meu entendimento, havia espaço tecnicamente justificável para um corte de pelo menos mais meio ponto percentual. A própria ata reconhece que o índice de inflação está em processo de alinhamento à meta estabelecida para 2025 e que os sinais de aquecimento na economia ainda não representam risco inflacionário.

Fica nítido, portanto, que a agenda política da Faria Lima deixou apenas uma opção ao Copom. A ata pesa a mão na desancoragem das expectativas para 2025, que segundo o Boletim Focus, já estão em 3,85%. Como o BC prevê inflação em 3,1% no mesmo período, um dos lados está errado e eu desconfio de qual seja. Vejamos.

O mercado vem exercendo pressão política sobre o conselho, usando algumas narrativas sopradas pelo presidente Roberto Campos Neto. Em agosto de 2023, o Copom havia acordado realizar cortes de meio ponto percentual em cada reunião até que as pressões cambiais e o ritmo de atividade econômica começassem a empurrar os preços para cima. 

Antes da reunião de maio, porém, Campos Neto decidiu mudar o acordo e passou a ventilar cenários variados para a Selic, traindo a promessa deixada na ata anterior de que haveria corte de mais meio ponto. A agitação do mercado gerou, inicialmente, mais alarido na imprensa do que nas expectativas. Logo antes da reunião de maio, não havia nada de muito diferente nas taxas de câmbio e de inflação esperadas pelo mercado. Porém, com a sinalização de Campos Neto, as taxas de juros futuras já incorporavam este “risco-RCN”.

Com a decisão rachada do Copom (5×4 em favor de um corte menor, de 0,25 p.p. em vez do meio ponto programado), o mercado intensificou a elevação das taxas de juros futuras. Faltava apenas a justificativa. A primeira foi que o racha na diretoria sinalizava risco à firmeza no controle da inflação, uma vez que, segundo esta visão, os diretores indicados pelo Presidente Lula se mostraram lenientes com a inflação, ao defender um corte de meio ponto percentual. 

Esta leitura era claramente motivada, uma vez que não havia qualquer mudança nos indicadores de inflação e nas expectativas de déficit público para 2024 e 2025. Ou seja, nada sugeria a necessidade de desacelerar os cortes da Selic. Era perfeitamente factível o Copom manter o corte de meio ponto, como acordado, e rever o posicionamento na reunião seguinte. Esta foi a posição dos diretores indicados pelo presidente Lula: manter o acordo para não minar a credibilidade do BC.

O mercado deu de ombros para esta postura institucional e passou a cobrar do Copom uma posição conservadora e unânime, para que a credibilidade se firmasse na visão dos agentes de mercado.

Era um teste de viabilidade da candidatura de Gabriel Galípolo, atual diretor de política monetária, à sucessão de Campos Neto. Se decidisse marcar posição política, o mercado puniria o governo, instabilizando os mercados de câmbio e de taxa de juros e dobrando a aposta numa aceleração da inflação a partir de 2025. Foi o que fizeram a partir de 10 de maio, com previsões catastrofistas de inflação a 8% a partir de 2026 – que cheiram a tentativa de manipulação do Boletim Focus, como bem apontado pelo ICL Notícias há algumas semanas. Por que isso é relevante?

A taxa Selic é uma referência para contratos de diferentes prazos, os quais recebem um prêmio de risco adicional. O BC define a taxa Selic, mas é o mercado quem define as taxas em contratos de prazo mais dilatado. Assim, uma nova divisão no Copom produziria maior percepção de risco por parte dos agentes financeiros, o que levaria a taxas mais elevadas em contratos mais longos. Como as empresas se financiam com taxas de juros em contratos de mais longa duração, o resultado de uma marcação de posição seria um aperto nas condições financeiras da economia, punindo os investimentos e o crédito corporativo e às famílias, em particular nos financiamentos a bens duráveis e imóveis.

Neste sentido, o Copom optou por mostrar unanimidade em favor de uma interrupção do ciclo de cortes. A reação imediata do mercado foi reduzir a pressão sobre as taxas mais longas. Ou seja, manter a Selic estacionada relaxou as condições financeiras da economia.

Contudo, o humor do mercado já virou novamente. Esperava-se uma ata ainda mais dura e os juros longos voltaram a subir após a divulgação. O motivo: não houve indicação de reversão da trajetória de cortes, apenas interrupção. A Faria Lima queria uma crítica mais dura à política fiscal, para forçar o governo a cortar gastos sociais. Na ausência de uma agenda mais austera pelo lado dos gastos, ficaria sinalizada a elevação da Selic ainda neste ano.

Não bastou o Copom ser conservador. O preço cobrado pelo “resgate da credibilidade” aumentou e já ganha ares de chantagem. Emoções fortes adiante!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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