A massificação da mentira

Instrumento de vingança dos covardes e ressentidos, a calúnia tornou-se ainda mais nociva na era de sua reprodutibilidade técnica*

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O desastre climático no Rio Grande do Sul, que causou 163 mortes e deixou quase 600 mil desalojados até a conclusão desta coluna, revelou-se ainda mais doloroso para as vítimas sobreviventes a partir do momento em que pessoas, com interesses escusos (às vezes, até para elas próprias), passaram a divulgar notícias falsas em meio à tragédia. A prática existia muito antes de voltar americanizada. Até o advento da terra sem lei das redes sociais, as mentiras, inocentes ou arrasadoras, tinham alcance menor e nomes singelos. Chamávamos de lorotas, tramoias ou traição os truques baixos dos que inventavam e faziam circular fofocas maldosas contra seus desafetos.

A calúnia era considerada uma forma de traição. Ainda que de contágio muito mais lento do que na era do ­WhatsApp, a propagação de boatos ou fofocas dependia de que outras pessoas acreditassem nelas e passassem adiante, boca a boca. Mesmo assim, a briga ou desavença resultantes da fofoca era um evento privado restrito a um pequeno círculo de conhecidos. Lembro-me de um aforismo do saudoso Plínio Marcos, sempre provocador: “Se é mentira, espalha logo, antes que desmintam”. Mas seu objetivo era desmoralizar os milicos do golpe de 1964.

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2 comentários

PAULO SERG ok okIO CORDEIRO SANTOS 2 de junho de 2024 04h13
De fato, cara articulista vivemos em tempos cruéis e nebulosos em que a antiga chamada “lei de Gérson”, quando se queria levar vantagem em tudo virou coisa de somenos importância nos dias de hoje, diante da total inversão de valores e má-fé prepondera quando se propaga mentiras e fake News que podem até matar as pessoas. Esse é o legado que a extrema direita trouxe para o mundo nos tempos atuais através do Sr. Steve Bannon, Trump, Bolsonaros e cia com o propósito de prejudicar o outro, através da mentira, do ressentimento e da covardia. E o problema maior é que 317 deputados federais votaram contra a criminalização dessas fake news. A falta de caráter das pessoas que fazem isso, falta de solidariedade, de espírito público e coletivo é assustadora. E o pior é que as autoridades ficam de mãos atadas, se o próprio Congresso Nacional não quis criminalizar punir tais atitudes de caráter criminoso. Qual o projeto de país que esses senhores têm para o país, senão a destruição de valores e incentivo a impunidade alegando serem tais aberrações: liberdade de expressão? Deveriam todos serem submetidos a uma psiquiatria coletiva a fim de se tornarem cidadãos melhores, mas o que eles querem mesmo é o caos e fazer oposição ao governo através de golpe sujo e continuar enganando e prejudicando a sociedade pela ideologia fascistóide.
CESAR AUGUSTO HULSENDEGER 4 de junho de 2024 14h26
O fato sempre é menos interessante que a versão. E num país em que, como dizia Monteiro Lobato, o esporte favorito é chutar a canela do próximo, não é de se espantar a “frutificação” dessa má prática. Descendente direta de William R. Hearst, o “Cidadão Kane”…

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