Em dezembro de 1929, Antonio Gramsci escrevia na prisão a que o fascismo italiano o confinara: “Não pensem que eu me sinto derrotado. Longe disso. Uma pessoa que está fortemente convencida da sua força moral, da sua energia e vontade e da necessária coerência entre fins e meios nunca se deixa abater por estados de espírito banais de otimismo ou de pessimismo. O meu estado de espírito é uma síntese desses dois sentimentos e transcende-os: a minha razão é pessimista, mas a minha vontade é otimista. Qualquer que seja a situação, eu imagino o pior que poderia acontecer e é isso que mobiliza toda a minha vontade e reservas de energia para evitar que isso aconteça e superar qualquer obstáculo”.
Imagino os democratas brasileiros neste momento como um Gramsci coletivo. Imagino-os a pensar com os seus botões o que pensava Gramsci em 1929 e a reagir do mesmo modo. Vejamos, pois, em que reside o pessimismo da razão e onde estão as reservas de energia para o otimismo da vontade. O pessimismo da razão decorre dos seguintes fatores. Primeiro, é difícil entender que, depois de quase 700 mil mortes por Covid, muitas delas evitáveis se não fosse a criminosa negligência do governo, do regresso massivo da fome que parecia erradicada, da degradação abissal do sistema científico e educativo, do desastre ambiental e humano intencionalmente produzido na Amazônia, do agravamento das desigualdades sociais e das condições de trabalho e dos sucessivos massacres da população das periferias, é ainda possível que 51 milhões votem em Bolsonaro. Tudo isso quando existia uma alternativa que trazia consigo a memória ainda recente de melhores tempos, memória também de uma exuberante presença protagonizada por alguém que regressava incólume do inferno a que injustamente o tinham condenado.
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