Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Cansei de televisão!

Como vivo conectado na TV a cabo, canso de ver a mesma matéria duas, três, quatro vezes. Talvez esteja meio enjoado 

Foto: Arquivo/Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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Quando eu conto hoje para as pessoas que eu passei mais de uma década sem ver televisão, muitos não acreditam. Não via porque era contra. Nos anos de exílio, televisão era o ópio do povo, um instrumento que deixava as pessoas burras demais.

Diziam lá que o programa Questions pour um Champion, um game, era bom pra aprender o francês, mas eu nunca me interessei em ver. Era radical mesmo.

No Brasil, quando pulei da imprensa escrita para a televisão, as mesmas pessoas arregalaram os olhos, sem acreditar no que estavam vendo.

Foi amor à primeira vista. Quando percebi que no Jornal de Vanguarda eu podia usar música, fazer malabarismos com um VT, passei a achar um tédio o que fazia no Estadão. Quando pegava o jornal de manhã no capacho, via que todas as notícias eram velhas, de ontem. Televisão era agora.

Sou da geração de Alice Maria, época em que apresentadora só tinha o cabelo Chanel, anel, pulseira, brincos, unhas pintadas, nem pensar.

Fazer televisão não era brincadeira. Brincadeira só no Chico City, Viva o Gordo, Sai de Baixo, TV Pirata, coisas assim.

Durante muitos anos, a televisão lutou para ser mais coloquial e nos dias de hoje, estamos vivendo quase que um fofocalizando.

Ficamos sabendo, por exemplo, que uma apresentadora está grávida, que o filho de outra não come brócolis, que o repórter vai viajar pros States nas férias, que o apresentador vai curtir o feriadão na praia. Hoje a gente vê o gato do Gabeira passeando na sala e os cachorros do Valdo Cruz latindo ao fundo.

Mas por que esse título Cansei de televisão?

Talvez seja fase. Como vivo conectado na TV a cabo, canso de ver a mesma matéria duas, três, quatro vezes. Talvez esteja meio enjoado.

Não aguento mais ouvir boa tarde, fulano; boa tarde, beltrano; boa tarde a todos que nos acompanham.

Cansei de ouvir obrigado, fulano, obrigado, beltrano. Aqueles repórteres estão ali trabalhando e, no final do mês, recebem um salário. Já pensou se o mestre de obras ficasse agradecendo aos pedreiros por cada tijolo assentado?

E os apelidos? Daniela virou Dani, Rafael virou Rafa, Mariana virou Mari e, de repente, o Guedes virou Guedinho.

Quem aguenta? O Mauro Cid vai depor, os comentaristas passam a semana sapateando em cima do depoimento dele. Ele chega na PF, fica calado e os comentaristas passam a semana inteira sapateando no silêncio do Mauro Cid.

Cansei de ouvir que Brasília está pegando fogo, que os advogados de defesa não quiseram se pronunciar, que o acusado disse que vai provar sua inocência.

Agora, você já viu algum apresentador experimentar uma comida e dizer que não gostou? Acho que é por isso que cansei de televisão.

Será que alguém acha graça em ligar a televisão sábado à tarde e ouvir palavras como Caldeirola, Globola e Mionzeira?

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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