Chegou a hora dos mandantes?

Sem punir os organizadores da tentativa de golpe, o Brasil continuará refém do autoritarismo

(Foto: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo)

Apoie Siga-nos no

Na edição especial de CartaCapital para lembrar o primeiro ano da tentativa de golpe no 8 de Janeiro de 2023, publicada no mês passado, uma conclusão permeou os textos: sem punir os mandantes, o Brasil repetiria a sina que marca a sua história, consagrar a anistia como prêmio a quem atenta contra o Estado de Direito. Em um país submisso ao golpismo das elites, transformado em República por meio de uma quartelada, não acertar as contas com o passado, “deixar para lá”, tornou-se ao longo do tempo um imposto pago à trégua concedida pelos autoritários, como se os democratas subscrevessem um bilhete: vão para casa, descansem um pouco, se reorganizem e voltem mais tarde. Estaremos de portas abertas.

Uma linha reta liga o 8 de Janeiro à impunidade dos generais, torturadores, políticos e empresários que mantiveram os brasileiros mergulhados na noite de 21 anos da ditadura. O faz-de-conta da nossa democracia, o medo em perturbar as casernas, como se os militares fossem senhores da vida civil e não servidores públicos, a indiferença em relação à cidadania, essa maneira de ser e pensar (ou de não-pensar) coletivo descende do fatalismo diante de certas máximas: ganha quem grita mais alto, manda quem pode, obedece quem tem juízo e por aí adiante.

Por sorte, a incompetência bolsonarista e a conjuntura internacional impediram o pior

A nova etapa da investigação conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, é, portanto, uma novidade histórica. Desde 1° de janeiro de 2019, quanto tomou posse, Bolsonaro urdia a perpetuação no poder. Nunca escondeu a intenção. Duas eram as possibilidades: reeleger-se a qualquer custo, ou melhor, às custas da quebra do erário, ou dar um golpe “justificado” pela falsa tese de fraude eleitoral. Como confessou ao falar da Abin “paralela”, o ex-presidente “não tinha inteligência”, motivo pelo qual viu-se obrigado a reunir um séquito de conspiradores, entre generais, incels e arrivistas, para levar o plano adiante. Por sorte, a incompetência bolsonarista e a conjuntura internacional impediram o pior (ah, se Donald Trump presidisse os Estados Unidos…).

A novidade histórica ainda precisa virar um ponto de inflexão. A operação da Polícia Federal desta quinta-feira 8 dá nome aos bois (desculpe, não resisti). Punir os mandantes da fracassada intentona, sem descuidar do devido processo legal, será a prova do amadurecimento institucional do País. O ciclo só se fechará quando os boiadeiros se uniram no curral da Papuda ao gado condenado por destruir os símbolos dos Três Poderes naquele domingo. Se assim for, o Brasil terá a oportunidade de superar o trauma do golpismo e de viver sempre aquém da democracia.

Leia também

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

0 comentário

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

 

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.