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Giorgio Romano
[email protected]Professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC). É Coordenador do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB).
Ao dividir o mundo entre democracias – lideradas pelos EUA – e autocracias, trata-se de um esforço para comprometer com a agenda americana o número mais expressivo possível de países
Três alegações têm sido feitas para contestar o risco de uma nova Guerra Fria: não há embate ideológico, há uma integração e interdependência econômica e comercial muito intensa e não há pressão para alinhamento dos demais países do globo.
Está prevista para 29 e 30 de março, a II Cúpula para a Democracia, organizada pelo governo Biden. No encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no mês passado, os dois mandatários compartilharam a resistência ao avanço das forças da extrema direita nos dois países e expressaram compromisso com o fortalecimento da democracia. Mas ao contrário do que se pode imaginar, a Cúpula da Democracia tem um outro sentido, que não deve ser confundido com a defesa da democracia, nem compartilhado pelo Brasil, e aponta, sim, para uma nova Guerra Fria.
Ao dividir o mundo entre democracias – lideradas pelos EUA – e autocracias, trata-se de um esforço para comprometer com a agenda americana o número mais expressivo possível de países. Esta cúpula junta-se a várias iniciativas do governo estadunidense para enfrentar a ascensão chinesa numa lógica de soma zero, enquanto o mundo precisa desesperadamente de soma positiva, ou seja, cooperação, para enfrentar os problemas que afligem a humanidade, como as crises climáticas, a fome, a pobreza extrema e as doenças infecciosas que não respeitam fronteiras.
Até recentemente, a linguagem que vinha sendo usada pelos EUA era de guerra comercial, com críticas ao comércio desleal, às transferências tecnológicas forçadas e à atuação das estatais chinesas, entre outras acusações. Tudo isso acompanhado por imposições de retaliações comerciais e sanções, visando limitar o acesso à tecnologia avançada pelo “rival” asiático. Já no governo Biden, os EUA começaram a praticar, em larga escala, políticas industriais e tecnológicas com um perfil de nacionalismo econômico voltado para garantir investimentos em produção e tecnologia no país, condicionados à obrigação das empresas restringirem seus investimentos e cooperação com a China em áreas estratégicas, como microprocessadores.
Não por coincidência, voltaram a usar uma linguagem que faz eco à Guerra Fria, com a defesa do “free world” (mundo livre), e, sobretudo, a dividir o mundo em “democracias” e “autocracias”, com os EUA no monopólio do papel de definir esses conceitos e classificar os países de acordo. Até agora, durante duas décadas de uma relação de simbiose entre os países que chegou a dar origem ao termo Chimerica, as diferenças ideológicas e as diferentes concepções sobre Direitos Humanos não haviam representado obstáculos para a cooperação.
Foi com esse espírito que o governo Biden convocou, em dezembro de 2021, de forma remota, a primeira Cúpula para a Democracia, excluindo países como China, Rússia, Cuba, Irã, Venezuela e Coreia do Norte, entre outros. No mesmo espírito, em junho do ano passado, o governo dos EUA aproveitou da sua condição de anfitrião da IX Cúpula das Américas para excluir arbitrariamente três países que classificou como não democráticos: Cuba, Nicarágua e Venezuela.
Isso contrasta com a presença de Raúl Castro na VII Cúpulas das Américas, no Panamá, em 2015, quando houve o histórico encontro bilateral com Obama. Vários mandatários latino-americanos, em particular Andrés Manuel López Obrador, presidente do México, manifestaram sua oposição com as exclusões impostas pelo governo Biden, e os EUA fizeram de tudo para garantir a presença do então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, para salvar a representatividade da cúpula.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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