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Opinião

Fogo amigo na inclusão de estudantes com deficiência?

Por que as matrículas no atendimento educacional especializado não acompanham o número de estudantes com deficiência na rede regular?

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Por Gonzalo Lopes

O Ministério da Educação, em abril, propôs a atualização da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (PNEEPEI) que tem promovido a inclusão nas escolas brasileiras. Desde os anos 90, observando a Constituição que garante o direito à educação para todos, o MEC estimula a inclusão ampliando de 44 mil em 1998 para 900 mil em 2018 o número de estudantes com deficiência na rede regular de ensino.

Para viabilizar o melhor aproveitamento pedagógico de estudantes com deficiência, a Constituição também garante a oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Como a sigla sugere, trata-se de um atendimento específico para, de forma suplementar ou complementar às aulas regulares, melhor transmitir conteúdos para estudantes com deficiência. Atendendo à lógica constitucional, a educação é garantida para todos no turno e o AEE é ofertado no turno inverso ao das aulas.

Acontece que, entre 2009 e 2017, o percentual de matrículas de estudantes com deficiência na rede regular cresceu, sem o devido aumento percentual de matrículas no AEE (apenas 37,6% de matrículas, em 2017). E pior: o MEC constatou que apenas 5% dos professores da Educação Básica possuem formação continuada em Educação Especial.

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Sem a adequação de oferta de AEE ao aumento do número de matrículas na rede regular, o processo de inclusão parece ineficaz, quando, na verdade, é a política pública que tem sido a causa da ineficácia por não observar as estratégias necessárias. Sem a capacitação de professores, a inclusão será culpada quando, na verdade, sequer foi tentada.

Diante do cenário, seria lógico que o MEC anunciasse o investimento no AEE e ampliação da capacitação de docentes. Só que, para o Ministério da Educação, o AEE é um problema e não o caminho para solução.

Para horror dos especialistas em educação inclusiva, e familiares de estudantes com deficiência, o MEC escolheu flertar com o retrocesso, sinalizando exatamente no sentido oposto. Com isso, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal recomendou que o Ministério não altere a PNEEPEI e mantenha a conformidade com os parâmetros constitucionais e legais.

Resta a expectativa de que as pessoas com deficiência e suas famílias não sejam atingidas por fogo amigo de um aliado desde os anos 90, que parece ter mudado valores para se tornar um “inimigo” da inclusão.

Gonzalo Lopes, advogado especialista em direitos das pessoas com deficiência, professor e pai de duas crianças com deficiência.

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