Não é a polarização, é a violência

Lentamente, o ódio político transformou o adversário em inimigo. A política converteu-se numa espécie de guerra de extermínio

A vice-presidenta da Argentina, Cristina Kirchner. Foto: JUAN MABROMATA/AFP

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A tentativa de assassinato de Cristina Kirchner e a agressão ao irmão do presidente chileno, Gabriel Boric, representam a passagem ao ato depois de vários anos de retórica pública agressiva, intolerante, quase belicista. Lentamente, o ódio político transformou o adversário em inimigo e o inimigo em inimigo radical – o inimigo é a causa do meu ódio, ele obriga-me a odiar e por isso o odeio. A sua existência ofende-me, provoca-me, desafia-me. Passo a passo, a política converteu-se numa espécie de guerra de extermínio que ameaça o convívio entre compatriotas e impede qualquer conversa ou diálogo sobre o que se está a passar. Quando é que tudo isso começou? Bom, a resposta parece-me evidente – com a ascensão da extrema-direita, um pouco por todo o mundo.

Por favor, nada de confusões, o problema democrático não é a polarização, mas a violência. A primeira faz parte do jogo democrático, a segunda tenta destruí-lo. Desculpem usar uma palavra tão forte, mas sempre me pareceu um pouco idiota a queixa da polarização num regime presidencial disputado em dois turnos. Todos os sistemas presidenciais tendem para o duplo polo, tal como o sistema norte-americano, de onde toda a América Latina herdou a cultura política presidencial (por oposição à tradição parlamentar). Na verdade, não é isso que lamentam os aflitos da polarização. As queixas pretendem apenas disfarçar a amarga frustração da direita democrática de não ter um candidato competitivo. Percebo-os muito bem, mas, se me permitem argumentar, o problema é sério demais para se resolver esperneando. A primeira verdade que a direita democrática tem de enfrentar é que o seu problema não é o problema do sistema, não é problema do regime – é apenas o seu problema. E o seu problema é estar refém da extrema-direita e, nessa situação, dificilmente ganhará eleições no Brasil porque perderá o eleitor moderado, o eleitor que não faz prévias escolhas ideológicas e que aprecia tudo o que é equilibrado, comedido, sem rupturas. Esse é, verdadeiramente, o problema da direita democrática – como se ver livre de Bolsonaro. No entretanto, beberá o cálice até o fim.

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