Não retrocedemos a 1922, mas a 1914, o início da 1ª Guerra Mundial

Isso se deve à tentativa de assassinato do primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, contrário às políticas de promoção do belicismo

O momento da prisão do poeta Juraj Cintula, de 71 anos, após o ataque a tiros contra Robert Fico. Foto: RTVS / AFP

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“O grande perigo da censura é a autocensura, que limita o trabalho, dá uma meia trava” – Vinicius de Moraes

Uma boa e uma má notícia para começar a semana: a boa é que me enganara ao comparar o atual contexto político dos países do Norte com aquele anterior à Segunda Guerra Mundial.

De fato, as inúmeras semelhanças induzem à comparação: a promoção do belicismo em detrimento de políticas sociais (na Europa Ocidental, esta será a primeira geração que estará pior do que a de seus pais, no pós-guerra); terrorismo de Estado (sabotagem e explosão do gasoduto “Nord Stream II“); entre outras similitudes.

De todo essas políticas desastrosas resultou a ascensão da extrema-direita nos três principais países da Europa: Alemanha, França e Itália (em que governa).

A má notícia é que, na verdade, parece que regredimos ao estágio anterior: à Primeira Guerra Mundial.

Isso se deve à tentativa de assassinato do primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, o único contrário às políticas acima referidas, dentre os 27 chefes de governo da União Europeia.


A comparação histórica com o assassinato de Francisco Ferdinando, arquiduque herdeiro do trono austro-húngaro, cuja morte levaria à Primeira Guerra Mundial, torna-se quase automática, uma vez que a Eslováquia era parte daquele império.

Portanto, não retrocedemos a 1922 – ano da ascensão do fascismo na Itália – mas a 1914, início da Primeira Guerra.

Pior, o primeiro-ministro da República da Geórgia também denunciou ter sido ameaçado de morte por um Comissário Europeu – que mencionou o antecedente do atentado ao primeiro-ministro da Eslováquia, caso ele não voltasse atrás no projeto de lei que determina a abertura de contas de ONGs que recebam recursos externos, embora os EUA e a UE contem eles próprios com legislação semelhante.

Sim, além do aquecimento global que nos tem conduzido a desastres como o do Rio Grande do Sul, entre outros, as oligarquias dos EUA e do Velho Continente parecem decididas a nos levar aos holocaustos climático e nuclear, a um só e definitivo tempo.

As provocações à Rússia e à China não cessam, seja pelo Executivo daqueles países, seja pelo Legislativo, como o dos EUA, que enviou grupo de deputados a Taiwan, para fomentar o separatismo e a consequente inevitabilidade de guerra nuclear.

Em contraponto positivo, a comunidade internacional saiu da letargia e aprovou resoluções e medidas importantes contra o atual governo genocida de Israel: a adoção por esmagadora maioria (com voto contrário dos EUA e abstenção por parte da covarde diolomacia da decadende da Europa Ocidental); mandado de prisão para o primeiro-ministro de Israel, Bibi Netanyahu, e seu genocida ministro da guerra (lá, chamam a isso defesa), por parte do Tribunal Penal Internacional; sentença da Corte Internacional de Justiça, determinando que os genocidas acima citados não ataquem Rafah (o que estão fazendo) e permitam a entrada desimpedida de assistência humanitária (o que não estão fazendo).

Quanto ao Brasil, boas novas vêm da África: o Instituto Lula, por meio de Celso Marcondes, coordenador da Iniciativa África no IL, promoveu na semana passada uma excelente palestra de Carlos Lopes, caboverdiano, ex-representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil e um dos mais importantes pesquisadores e intelectuais africanos da atualidade.

Como sempre, Lopes surpreendeu com a acuidade dos números, totalmente ignorados por nós, em razão da ideologia colonizada e racista das oligarquias brasileiras, que se traduz na desinformação das oito famílias detentoras do monopólio da informação no País.

Vamos a eles: a África é a segunda região que mais cresce no mundo, só perdendo para o Sudeste Asiático; das 20 economias que mais crescem, 10 são africanas; dados esses do Fundo Monetário Internacional, que aduz: das dez com maior crescimento, seis são africanas; o Níger, por exemplo, deverá crescer 11% neste ano, tendo-se libertado da condição de virtual colônia francesa, acrescento; o Mali, 6%.

Entretanto, as agências de risco, todas estadunidenses, ao manipularem as análises de risco da África, obrigam o continente ao pagamento das maiores taxas de juros do mundo; de tal forma que, dos 1,4 bilhões de habitantes do continente africano, 600 milhões não têm acesso à luz elétrica. Por outro lado, o continente, que se vê cada vez mais às voltas com desastres socioambientais, como secas e enchentes, só é responsável por 3% das emissões de CO2, os gazes de efeito estufa, responsáveis pelas mudanças climáticas; pior, a Europa, um dos grandes poluentes, reclassificou os combustíveis fósseis, inclusive o carvão, de “poluentes” para “energia de transição”, passando a comprar, a preços e custos ambientais bem maiores, dos EUA e da Noruega, entre outros, parte dos combustíveis de que precisa. Ao lado disso, na insana guerra comercial contra a China, os EUA passaram a taxar em 100% a importação de veículos elétricos chineses. Ademais, o Velho Continente, um dos principais responsáveis pelas emissões de CO2, doou menos ao fundo global para a mitigação das mudanças climáticas do que um único país, os Emirados Árabes Unidos, que ali depositaram 23 bilhões de dólares.

A nota ruim é que o Brasil, sob o desgoverno da extrema-direita, embarcou em cheio na agenda bélica, tendo dobrado as exportações de armas naquele período, segundo estudo recentemente divulgado no País.

Ainda mais grave, muitas dessas exportações tiveram como destino países e regiões em conflito, o que é vedado pela legislação brasileira.


Caberá indagar aos órgãos competentes, entre eles o Itamaraty, como essas exportações foram possíveis, ao arrepio das normas legais.

Durante o desgoverno Bolsonaro, o Brasil exportou em média 816, 1 mil armas de fogo por ano, um aumento 120% com relação ao período anterior.

Reparar os danos que assim causamos em mortes, ferimentos, amputações e traumas a outros povos e nações deveria ser um ponto cardeal para a diplomacia brasileira atual.

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