No centro de Santiago, o retrato do caos atual no Chile

De maioria jovem, multidão se reúne desde 14 de outubro para tentar mudar a política econômica do país e frear a descida neoliberal

Manifestantes ocupam as ruas de Santiago, capital do Chile - Foto: Augusto Diniz

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Comércio de portas fechadas, lojas protegidas por tapumes e grades, pontos de ônibus e acessos ao metrô depredados, pichações contra o governo. A região central de Santiago é o retrato do caos atual no Chile.

As estações que levam ao Palácio de La Moneda (sede do governo), a Plaza das Armas e Cerro de Santa Lucía estão fechadas.

Os três monumentos são uma das principais atrações turísticas da capital chilena. Ficam todos localizados no centro histórico da cidade, e estão cercados pela polícia.

Ali perto fica a Plaza Baquedano (ou Plaza Italia), epicentro das manifestações contra o governo neoliberal de Sebastián Piñera.

Uma multidão, a maioria jovens, se reúne nessa praça desde o dia 14 de outubro para tentar mudar a política econômica do país, que tem gerado enorme desigualdade social.


Desde então, escolas e universidades na cidade suspenderam as aulas. A manifestação do dia 25 de outubro – a maior até aqui – atraiu 1,2 milhão de pessoas, mas há a expectativa de superá-lo.

Com convocação intensa pelas redes sociais, espera-se que o protesto desta quarta-feira 6 tenha proporções gigantescas e seja capaz de superar o recorde de participantes em encontros desse tipo desde o fim da ditadura chilena em 1990.

Na segunda 4, acompanhei mais um dia de manifestações na capital. Bandeiras do Chile e dos índios Mapuche, símbolo de resistência, eram vendidas por ambulantes nas proximidades, assim como apitos.

Chegando mais perto, avistei um posto da Cruz Vermelha montado para dar assistência aos manifestantes.

Batendo panelas, grupos de jovens avançavam pela Avenida Providencia, principal via pública urbana de Santiago, àquela altura já fechada aos carros.

Parte dos que protestam pedem uma nova Constituição ao país, já que a atual fora feita ainda sob o regime militar de Pinochet. Outra parte, porém, reivindica mudanças no modelo econômico.

Manifestantes pedem nova Constituição durante protestos em Santiago – Foto: Augusto Diniz

Entre os manifestantes que vejo, uma parcela usa faixas para homenagear os 20 manifestantes mortos nos protestos recentes.

Além disso, há também cartazes com fotos daqueles que os manifestantes consideram como assassinados pelo Estado chileno.

Cartazes colados no centro de Santiago lembram os mortos durante os protestos recentes – Foto: Augusto Diniz

Não vejo bandeiras de partidos políticos. Dessa vez, o movimento chileno é unificado e mostra força nas ruas.

O custo de vida subiu sobremaneira no país e as manifestações têm forte apoio de categorias de assalariados e aposentados.


Protesto da população chilena pede por melhores condições de vida – Foto: Augusto Diniz

Perto da estátua do Gen. Baquedano sobre o cavalo, onde o sentimento de revolta da população atinge o ápice, o gás lacrimogênio se faz presente, arremessados pela polícia a partir de ruas que dão acesso à Praça Itália.

Ainda assim, jovens se mantêm firmes com os rostos cobertos. A ardência nos olhos me atinge, mas um garoto logo borrifa uma solução de água com bicarbonato e neutraliza o efeito do gás.

No fim da tarde, me afasto da manifestação, que ainda seguia crescendo, com centenas de milhares de pessoas já reunidas. Pouco tempo depois, vejo um corre-corre provocado pela polícia.

Consigo voltar ao hotel, onde ligo a TV e assisto ao vivo aos saques feitos ao comércio e a Plaza Italia ocupada por carros blindados, canhões de água e muita repressão.

Santiago mostra o que pode ser o Brasil amanhã.

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