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Opinião
O abismo se aprofunda, mas a esperança vem, mais uma vez, da Argentina
Nossos vizinhos demonstram ter instituições mais sólidas do que o Brasil, tanto de governo quanto da sociedade civil
Por
Milton Rondó
19.08.2019 10h33
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“Nada vem do nada”, já disseram Aristóteles, Shakespeare e Freud.
A cada desastre promovido pelo atual governo ilegítimo, uma reação internacional de ainda maior força se contrapõe.
A política externa – e a interna – de Bolsonaro só encontram parâmetros nas pragas bíblicas: em uma mesma semana, ele ataca a Alemanha, a Noruega e a Argentina.
Vale notar que a Alemanha não é apenas um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, mas também um dos maiores investidores. As consequências da bravata ainda não podem ser medidas, embora os repasses de recursos para o Fundo Amazônia já tenham sido suspensos.
Quanto à Argentina, trata-se do melhor parceiro comercial do Brasil, por ser o destino das exportações com maior valor agregado (esqueçam as vendas da Embraer para a Aerolineas Argentinas, pois a primeira deixou de existir; a segunda, porém, foi reestatizada por Cristina Kirchner e vai muito bem obrigado).
Em todos os três casos, o ocupante do Palácio do Planalto cometeu crime de responsabilidade, pois violou o artigo 4 da Constituição Federal, que determina a não-ingerência em assuntos internos de outros países.
O nível de sandice presidencial é tal que Blairo Maggi, o maior produtor de soja do mundo e golpista da primeira hora, manifestou o temor de que a irresponsabilidade de Bolsonaro feche os mercados internacionais às exportações do agronegócio brasileiro. De fato, desde que anunciou a intenção de transferir a Embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém isso já vem acontecendo, indispondo os países árabes, particularmente o Irã, um dos maiores parceiros comerciais do Brasil.
Para aumentar a tristeza dos que protegem, promovem e provêm a democracia, perdemos na semana passada Gustavo Codas, grande lutador da democracia, tanto no Brasil, quanto no Paraguai, país de origem dele. Ex-presidente da Itaipu Binacional, Gustavo contribuiu enormemente para a Pátria Grande Latino-Americana.
Mas não fiquemos na tristeza, que, como bem a definiu São Francisco de Assis, é demoníaca, pois nos enfraquece, roubando-nos a capacidade de reação.
A esperança vem, mais uma vez, da Argentina!
Lembro, com muito orgulho, como, ao voltar de estágio final do Instituto Rio Branco, em Buenos Aires, em fevereiro de 1984, fui ao Rio de Janeiro para participar do comício pelas diretas, ao qual compareceram mais de um milhão de pessoas.
Ao caminhar pela Avenida Rio Branco (só agora noto o simbolismo do logradouro), encontro um vendedor de camisetas com uma, que estampava: “Não chores por mim Argentina, eu também vou votar para presidente”.
Imediatamente, comprei e vesti.
Na capital portenha, participara de um dos primeiros shows de Mercedes Sosa, após a redemocratização, em estádio lotado. “La negra” cantou “Maria, Maria”, do meu ilustre xará Milton Nascimento. Então, as luzes se apagaram e todos acendemos nossos isqueiros (muitíssimos fumavam, então). O choro foi geral. Ao final do espetáculo, memorável, saímos do estádio cantando “Maria, Maria”, que nos irmana de forma única.
Durante 45 dias, pude viver as emoções de um país que se reencontrava com a democracia e a liberdade, embora na embaixada brasileira ainda houvesse um adido do Serviço Nacional de Informações, o famigerado SNI, cujos informes tive o desprazer de ler, todos abaixo de qualquer possibilidade de crítica, tão ruins e inúteis.
Em verdadeiro exorcismo, na Candelária, pude ouvir Lula, Brizola, Ulyses Guimarães e Osmar Santos, entre tantos outros oradores legitimados pela luta contra a ditadura. Literalmente, estava vestido com a esperança que vinha da Argentina – e que eu vivera.
Esperemos que desta vez o arbítrio e o neo-liberalismo nos sejam curtos. A banca internacional, por seu lado, já reagiu, assim como Macri, esse com um pacotinho de bondades, que inclui o aumento do salário mínimo.
A reação do presidente argentino confirma a afirmação do sociólogo Boaventura Souza Santos: o estado do bem-estar social na Europa só foi obtido graças à Revolução Russa. A concentração de renda que se seguiu à queda do muro de Berlim parece avalizar aquela tese.
A alimentar a esperança de que a democracia social retorne em breve à Argentina – e ao Brasil – está a forma pacífica como ambas as sociedades se organizaram, desta vez, para enfrentar o arbítrio neo-liberal, retirando aos setores militares não-constitucionais o pretexto do combate à luta armada.
Vale notar que o Partido Justicialista interpelou a Chancelaria argentina sobre a não reação à ingerência de Bolsonaro.
Mais uma vez, a Argentina demonstra ter instituições mais sólidas do que o Brasil, tanto de governo quanto da sociedade civil.
Como bons paulofreirianos, cabe-nos, novamente, aprender e emular nossos vizinhos do Sul.
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