O aborto, de novo

A punição apenas serve para agredir uma segunda vez a vítima. Não evita a prática, só a torna mais perigosa para a saúde das mulheres

Manifestante em Washington reforça que aborto é questão de saúde pública. Foto: Jose Luis Magana/AFP

Apoie Siga-nos no

Nem a criminalização acaba com o aborto nem a descriminalização o incentiva. Nenhuma lei de descriminalização do aborto, em nenhum país do mundo, resultou em aumento de casos. Esse argumento está desmentido pela experiência. Na verdade, se pusermos de lado o preconceito e o interdito religioso, o aborto é sempre realizado em situação desesperada e aflitiva – e deixa um trauma psicológico em quem é forçada a tomar essa decisão. Um debate sério sobre o assunto deverá reconhecer que a decisão de uma mulher de interromper a gravidez implica sempre angustiantes dilemas morais.

A única questão social é então a de saber se ele será feito em boas ou em más condições de saúde (estou a falar, obviamente, da decisão de interromper a gravidez nas primeiras semanas, como é o caso da maioria das legislações europeias). Em última análise, o debate sobre a descriminalização é, na verdade, um debate sobre a necessidade de acabar com o flagelo social do aborto clandestino. A criminalização não evita a prática de aborto, mas torna-a perigosa para a saúde das mulheres. Nesse sentido, a declaração do ex-presidente Lula sobre a questão da interrupção voluntária da gravidez parece-me não apenas correta, mas também corajosa, muito corajosa.

Leia também

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

1 comentário

PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 21 de maio de 2022 05h18
aborto é mesmo uma questão de saúde pública. O presidente Lula em sua fala corajosa e sincera expôs o dilema que aflige milhões de mulheres no Brasil. A decisão deve ser da mulher. Ninguém faz aborto porque quer, mas se houver uma gestação indesejada, seja por problema financeiro de poder criar o filho, falta de condições psicológicas, abuso sexual, o fato é que a decisão de abortar ou não deve ser da mulher que carrega o feto no ventre. A hipocrisia reina nesse país, as religiões que se colocam contra o aborto, não tem nenhuma alternativa para a questão social, somente demagogia e discurso vazio. A questão da interrupção da gravidez, é um problema de consciência, da individualidade da mulher, além de ser um problema de saúde pública. É preciso quebrar com a relação que a sociedade estabelece com a mulher, na qual ela é fundamental para moldar o conceito da família tradicional e possessivo, é uma peça na reprodução da ideologia e do modo de vida dominante. Para o estabelecimento de uma relação em sociedade entre indivíduos livres, é preciso que a felicidade humana e o prazer não tenham uma finalidade meramente utilitarista. Se faz necessário acabar com aquilo que os valores arcaicos disseminaram na sociedade, a ideia de que a felicidade humana, o prazer e a relação sexual estão indissociavelmente ligados somente à reprodução. Essa concepção direta e exclusiva, é como se o ser humano, ao se relacionar sexualmente por prazer e sem o objetivo de reproduzir, estivesse pecando, estivesse maculando algum valor, tendo que pagar por isso uma posição de penitência. Para a sociedade e para os indivíduos, a relação sexual passa a ter um sentido pecaminoso e punitivo, adquirindo o caráter de uma relação hipócrita. A mulher rica quando quer se submeter ao aborto, procura as melhores clínicas, já as pobres, se submetem a procedimentos arriscados para a sua saúde, pondo em risco sua vida. Muitas das pessoas hipócritas que se colocam contra a descriminalização do aborto, já fizeram o aborto. Mais uma vez o presidente Lula acertou e mostrou sua sabedoria e amadurecimento político. Parabéns ao articulista, José Sócrates.

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

 

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.