Marcos Coimbra

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Sociólogo, é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense.

Opinião

O fim do bolsonarismo

De 1º de janeiro em diante, o fenômeno vai diminuir, um pouco a cada dia. É impossível, hoje, dizer quanto tempo se passará até ser oficialmente proclamado morto, mas não vai demorar

Foto: Sergio Lima / AFP
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No dia 1º de janeiro de 2023, Jair Bolsonaro não será presidente da República. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, estará empossado. Supondo-se, naturalmente, que a democracia e a decência sejam preservadas.

Na outra hipótese, o capitão terá passado a ser um simples ditador, sem mandato popular, legitimidade ou autoridade. Talvez mande por algum tempo, abusando de brutalidade e violência, sob o olhar consternado da parte sadia da sociedade brasileira e da comunidade internacional. Os outros poucos ditadores que restam no mundo terão lhe enviado congratulações.

É difícil definir com precisão o tamanho da parcela que ficaria contente em vê-lo ditador. Sabemos que é grande a maioria dos que se oporiam a isso e que, mesmo entre aqueles que hoje dizem votar nele, só uma pequena parcela ficaria ao seu lado (e dos militares) no golpismo.

Nas pesquisas, o capitão tem perto de 35% das intenções de voto em cenário de segundo turno, máximo de apoio que alcançaria. Lula receberia cerca de 65% dos votos válidos (naquela que seria a mais folgada vitória eleitoral de nossa história).

O terço do eleitorado que prefere o capitão divide-se em três fatias, de tamanho parecido. A primeira não avalia positivamente o governo e o considera, na melhor hipótese, como “regular”. As duas seguintes são os 25% que o acham “ótimo” ou “bom”, dos quais apenas a metade o aprova quando são consideradas, uma a uma, as principais políticas. Na economia, somente 7% “aprovam muito” sua atuação. Na saúde, 9%. Na geração de empregos, 8%. E assim por diante. A mais bem avaliada, de segurança pública, é aprovada por 15% dos eleitores, fruto, possivelmente, da ênfase retórica no tema, mas ainda bem abaixo do que recebe como um todo.

Ou seja, salvo para a pequena parcela que, efetivamente, aprova as políticas e as ações do governo, a larga maioria da sociedade o rejeita ou apenas o tolera. E vota em seu nome por ser ele, circunstancialmente, quem expressa sua identidade política e partidária, seu “lado” na política. Dois terços de seus eleitores sabem que é um mau governante e menos de um terço o defende.

As pesquisas chegam a números semelhantes quando estimam quantos estariam dispostos a referendar o golpismo do capitão e seus asseclas. Muitos brasileiros, hoje em dia, levam a sério o discurso antidemocrático que essa gente repete e têm medo que se rebelem contra o resultado das urnas. Mas não chega a 10% a parcela que os apoiaria em um atentado à democracia.

Podemos olhar o que mostram as pesquisas como manifestação do apego da maioria da sociedade a valores democráticos ou como consequência do fracasso administrativo de quem prometeu resultados rápidos na solução dos problemas brasileiros, mas entregou a desorganização e a desmoralização em curso. O fato é que a grande maioria não gosta de Bolsonaro, o considera um indivíduo e um governante de muito má qualidade e não endossa seu golpismo. Por isso, em 1º de janeiro próximo, o capitão vai-se embora, a menos que uma quartelada mal disfarçada o torne ditador.

Ao sair vitorioso no primeiro ou no segundo turno, Lula será o centro do sistema político. Por seu impacto global, a vitória do petista deixará um espaço mínimo, no imaginário e na vida política real, para a turma do capitão. Mesmo preso, Lula contou com o maior partido de nossa história como base para atuar, contrariamente ao capitão, que nada conseguiu construir. Fora do governo, sem perspectiva de poder, será apenas referência para uma corrente de opinião minoritária.

Claro que sempre poderá voltar à Câmara dos Deputados, enfrentando eleições tranquilas, com o voto de militares, policiais, milicianos e autoritários em geral, no Rio de Janeiro ou em outros lugares, pois há gente assim espalhada por aí. Talvez seja esse o seu futuro, até para se proteger da Justiça atrás de um mandato.

O certo é que a extrema-direita brasileira vai procurar, e provavelmente encontrará, alguém mais qualificado que Bolsonaro para representá-la. Sem qualquer capacidade intelectual para discutir e propor ideias, sem liderança moral, sem autoridade política, com a catástrofe de sua passagem pelo governo, Bolsonaro, em muito pouco tempo, nada mais será do que uma memória desagradável.

De 1º de janeiro em diante, o bolsonarismo vai diminuir, um pouco a cada dia. É impossível, hoje, dizer quanto tempo se passará até ser oficialmente proclamado morto. Mas não vai demorar.  •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1217 DE CARTACAPITAL, EM 20 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O fim do bolsonarismo”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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