Josué Medeiros

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Josué Medeiros é cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

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O longo caminho de Tarcísio para consolidar a liderança da direita

O paulista provavelmente não concorrerá a presidente em 2026, desisitindo de enfrentar Lula. Bolsonaro, mesmo inelegível, ainda será o principal líder da extrema-direita

O governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas. Foto: Marcelo S. Camargo/Governo do Estado de São Paulo
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O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, vem despontando como principal liderança da direita brasileira na ausência de Bolsonaro. Contudo, seu caminho para consolidar essa posição é longo e provavelmente ele não concorrerá a presidente em 2026. Além de contar com uma perspectiva de reeleição quase certa no Executivo paulista, a figura do ex-presidente de extrema-direita ainda será muito forte e relevante no próximo pleito presidencial.

Grosso modo, podemos dividir a direita brasileira em dois grandes blocos: de um lado, temos, sim, uma direita democrática, cujo principal eixo de atuação é a defesa intransigente e ideológica do programa neoliberal para a economia. A direita democrática brasileira abraça, sem qualquer recuo, as pautas da austeridade fiscal, das privatizações e das desvinculações orçamentárias para os direitos sociais (saúde, educação, salário-mínimo e previdência); do outro lado, temos a extrema-direita autoritária, cujo principal eixo de atuação está na questão da defesa da ordem, o que se viabiliza tanto por um programa de segurança bastante punitivista e repressivo e por um programa moral com alto teor de conservadorismo.

A direita democrática era quem hegemonizava o campo da direita brasileira até o golpe parlamentar contra Dilma em 2016, sob a liderança do PSDB e o apoio do então DEM e de parte do PMDB. Na ocasião, a extrema-direita minoritária apoiou de prontidão o golpe parlamentar, mas sem se comprometer com o programa econômico e pautando sua agenda reacionária. É impossível esquecer as dezenas de discursos de parlamentares favoráveis ao impeachment em defesa da “família” e de “Deus”, especialmente o pronunciamento fascista do à época deputado federal Jair Bolsonaro.

O absoluto e incontestável fracasso do governo golpista de Temer levou a direita democrática a ser varrida pela extrema-direita autoritária liderada por Bolsonaro. O PSDB praticamente não existe mais e os seus sócios mudaram de novo (MDB e União Brasil) na tentativa de se reposicionar no novo cenário. Em 2018, esta direita democrática apoiou o então candidato do PSL em massa, apostando em uma aliança que viabilizasse seu programa econômico sem ameaçar a democracia. Diante de todo o autoritarismo que Bolsonaro fez no governo, grande parte desses setores apoiou Lula no segundo turno de 2022, mas vem criticando o atual presidente desde que ele começou seu terceiro mandato pela chave econômica, especialmente a questão da “gastança”.

Trata-se de uma crítica totalmente ideológica e irresponsável, sem qualquer disposição de construir um pacto democrático novo, capaz de derrotar o bolsonarismo de vez. Ao contrário, a direita democrática neoliberal é incapaz de ver que as desigualdades sociais se aprofundam como consequência de suas políticas, o que termina por fortalecer a extrema-direita autoritária.

É nesse contexto que emerge a liderança de Tarcísio de Freitas, a frente da segunda principal máquina pública do País. O governador paulista vem se equilibrando em uma agenda política que busca dialogar com os dois setores da direita brasileira, com o objetivo de reconstituir o movimento que Temer fez em 2016 e Bolsonaro fez em 2018 de unificar esses dois setores em um único bloco.

Por um lado, Tarcísio avança na pauta econômica, com a privatização da Sabesp e a adoção de um programa de corte de gastos que já foi elogiado pelo jornal O Globo e que em breve será apresentado pela direita democrática neoliberal como “modelo” para o Executivo federal. Por outro, o governador paulista investe na pauta autoritária e conservadora, aprovando as escolas cívico-militares e garantindo autonomia para sua Polícia Militar matar sem limites nas periferias do estado de São Paulo.

Tarcísio tem se movimentado em seu estado para ampliar sua força no interior. O PSD de Kassab – que vem sendo seu principal operador político – foi o partido que mais cresceu em prefeituras paulistas e o centro da estratégia do governador é sair das eleições municipais com o maior número de prefeitos aliados. Nesse sentido, São Paulo capital e região metropolitana ficam em segundo plano, uma vez que é um terreno que Tarcísio não disputa com outras figuras de direita, mas sim com o presidente Lula, que ainda lidera nessas cidades.

Para 2026, o mais provável é que Tarcísio venha para a reeleição, garantindo um segundo mandato e desistindo de enfrentar tanto o presidente Lula quanto o ex-presidente Bolsonaro, que, mesmo inelegível, ainda será o principal líder da extrema-direita brasileira. Uma vez reeleito governador, aí sim Tarcísio terá mais quatro anos para consolidar seu nome, diante de um Bolsonaro cuja memória vai ficando no passado e de uma esquerda que precisará se renovar, uma vez que não poderá mais contar com Lula nas urnas.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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