O que esperar da queda de braço entre Donald Trump e o Irã?

Especialistas afirmam que tudo não passa de uma disputa contra as verdadeiras ameaças ao Império Americano, China e Rússia

Presidente americano Donald Trump. Foto: Brendan Smialowski / AFP

Apoie Siga-nos no

Então chegamos ao ponto que tanto temíamos. Após três anos de governo Trump e constantes bravatas do presidente no Twitter, agora nos vemos diante da possibilidade de mais uma guerra dos EUA contra uma nação estrangeira. A bola da vez é o Irã, uma teocracia islâmica que emergiu nos anos 80 justamente confrontando o imperialismo norte-americano e atribuindo aos EUA as causas de todos os males do mundo. Um exagero, obviamente, embora não de todo errôneo.

No mundo pós-Segunda Guerra Mundial, os EUA estiveram presentes, de maneira direta ou indireta, em praticamente todos os grandes conflitos que se deram no planeta, erguendo a bandeira da liberdade e da democracia, mesmo que a tiracolo trouxessem a morte e a destruição.

Primeiro, assistimos à prolongada disputa ideológica e bélica da Guerra Fria, entre as duas únicas superpotências mundiais, EUA, representando os países capitalistas ocidentais, e a União Soviética, como símbolo da revolução do proletariado rumo a um mundo igualitário com o fim da luta de classes, mas que, na prática, levou o totalitarismo a patamares inimagináveis. E, neste embate, ambos os países conviveram num frágil equilíbrio fundamentado em grande parte no risco de uma guerra nuclear mundial que poderia levar ao fim da espécie humana e naquilo que se chamou de MAD (mutual assured destruction), ou destruição mútua assegurada, isto é, o impasse decorrente da certeza de que, se uma destas nações iniciasse um conflito com armas nucleares, as duas seria completamente obliteradas pelo adversário.

E este risco iminente de uma guerra com consequências devastadoras pendeu sobre a humanidade por quase cinquenta anos.

Mas as peças no tabuleiro mudaram e novos jogadores entraram nesta disputa com a Queda do Muro de Berlim e a dissolução da URSS. Novos opositores políticos e ideológicos despontaram: China no Extremo Oriente, as nações islâmicas do Oriente Médio e, dos escombros da União Soviética, ressurgiu a Rússia como um espectro visando reviver as glórias do passado.


Presidentes norte-americanos anteriores foram obrigados a lidar com um mundo cada vez mais complexo e interdependente, com a tênue consciência de que este frágil equilíbrio poderia ruir a qualquer momento.

Durante a campanha eleitoral de 2016, um dos grandes temores explicitados pela candidata democrata Hillary Clinton era justamente este: “Vocês confiarão em pôr nas mãos de Donald Trump nossas armas nucleares?”

Porque é notório que Trump nunca foi um modelo de autocontrole ou de moderação. Como bilionário do ramo imobiliário nos EUA, ele epitomava os piores valores ultracapitalistas — o luxo, a ganância e um estilo de vida desmedido, muito além e até inimaginável para a maioria dos americanos.

Mas o eleitorado aceitou a aposta e depositou nas mãos de Trump os rumos do país e, como consequência, de todo o planeta.

E talvez este seja o momento de arcar com o peso desta aposta arriscada.

Nesta troca de farpas entre EUA e Irã, que já extrapolou os limites de meras ameaças quando Trump ordenou o assassinado do general Soleimani, o segundo homem mais importante no Irã, a decisão inconsequente do presidente pode escalar rapidamente e arrastar os EUA para mais uma guerra brutal e aparentemente sem propósito.

Especialistas afirmam que, no fundo, tudo não passa de uma queda de braço contra as verdadeiras ameaças ao Império Americano, China e Rússia, e que o Irã não representa mais que um peão neste jogo.

Entretanto, diferentemente do Afeganistão e do Iraque, o Irã já se provou como um peão bastante ardiloso, que por sua vez também exercita seus músculos e sua influência em países vizinhos e tem dobrado a aposta: anunciou agora que abandonará o pacto nuclear e voltará a enriquecer urânio sem reconhecer limites impostos pela comunidade internacional.

As peças estão se movendo. Ameaças estão circulando (muitas pelas redes sociais, ou seja, talvez vejamos a primeira declaração de guerra realizada pelo Twitter). Trump está sendo acossado por um processo de impeachment que pode facilmente sair de seu controle em ano de reeleição.

O que podemos esperar?

Um milagre: que a sanidade que parece ter desaparecido do debate político recente seja restaurada com um passe de mágica.

Ou talvez estejamos esperando demais.


Leia também

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

0 comentário

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

 

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.