Educação

Os petroleiros de Lula

A intransigência em relação à greve dos professores e técnicos administrativos nada mais é do que o reconhecimento público da rendição aos interesses privatistas

Professores, técnicos-administrativos e estudantes de universidades federais e institutos federais de ensino em greve fazem manifestação na Esplanada dos Ministérios. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Em maio de 1995, os petroleiros realizaram uma greve nacional por reajuste salarial e contra a quebra do monopólio estatal do petróleo. Derrotar a greve dos petroleiros era de fundamental importância para a manutenção do plano de estabilidade econômica do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Em larga medida, o sucesso do Plano Real dependia de um rígido controle dos salários dos trabalhadores do setor público e do privado. A concessão de aumento salarial para os petroleiros poderia abrir caminho para um ciclo de greves que colocaria em xeque a política de estabilização monetária do governo FHC.

Historicamente, para além de denunciar o arrocho salarial imposto por políticas restritivas dos gastos e investimentos estatais, as greves do setor público também são capazes de revelar a própria natureza dos governos. Assim, não obstante a áurea social democrata exibida pelos principais expoentes do então PSDB, o fato é que longe de implantar um modelo de Estado de Bem-Estar Social no país, o projeto político do PSDB era implementar o receituário neoliberal das reformas orientadas para o mercado (privatizações, quebra do monopólio estatal, reforma administrativa, reforma da previdência) para as quais era de fundamental importância “quebrar a espinha dorsal” do sindicalismo combativo no Brasil, naquele momento representado pela greve do petroleiros.

Quase trinta anos depois, estamos novamente diante de um movimento grevista capaz de revelar a natureza de um governo. Há mais de sessenta dias, professores e técnicos administrativos das universidades e institutos federais estão em greve por reajuste salarial e recomposição do orçamento das instituições federais do ensino superior. E, mais uma vez, derrotar a organização sindical dos trabalhadores do setor público é de fundamental importância para a imposição de uma agenda governamental de restrição orçamentária; muito embora o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o seu ministro da economia, Fernando Haddad, tenham sido, outrora, os principais defensores de uma vigorosa expansão do ensino público superior no país. Na campanha eleitoral de 2022, ambos se apresentavam, respectivamente, como o presidente operário e o ministro professor que mais haviam construído universidades no Brasil.

Mas o fato é que a política educacional praticada pelos governos Lula 1 e Lula 2, de um lado, e Lula 3, de outro; apresenta mais sinais de ruptura do que de continuidade. Com efeito, tudo indica que no que se refere à política salarial de professores e técnicos administrativos, bem como em relação aos investimentos em políticas educacionais, Lula 3 ficará refém das mesmas políticas fiscalistas de FHC 1 e FHC 2. Neste ponto, é particularmente sintomático que na mesma semana que o Presidente da República considerou incompreensível a duração da greve nas universidades federais, seus ministros da área econômica (economia e planejamento) anunciaram que será necessário fazer uma “ampla, geral e irrestrita” revisão dos gastos públicos, admitindo inclusive a possibilidade de flexibilização dos pisos constitucionais da educação e da saúde, bem como a reedição da famigerada Desvinculação de Receitas da União (DRU).

Medidas como estas são impossíveis de serem implementadas sem impor ao sindicalismo, especialmente do setor público, uma grande derrota econômica e social. Por isso, é de fundamental importância para o governo Lula 3 impor aos professores e técnicos administrativos das universidades federais a mesma derrota imposta pelo governo FHC 1 aos petroleiros. Trocando em miúdos, para que a política do déficit zero seja vitoriosa o sindicalismo do setor público precisa ser derrotado. E os trabalhadores convencidos de que “não é por 3%, 2%, 4% que a gente fica a vida inteira de greve”.

É exatamente nestes termos que professores e técnicos das universidades federais se transfiguram nos “Petroleiros de Lula” e o movimento grevista desencadeado por eles deve ser deslegitimado pelo governo, pela mídia, pelas entidades sindicais cartoriais e por todos aqueles objetivamente resignados a transferir fundos públicos para o mercado financeiro em nome da governabilidade. É aqui que a natureza do novo governo Lula se revela: se Lula 1 e 2 foram “governos de coalizão”, no sentido de articular uma gama de interesses conflitantes para governar; Lula 3 é o “governo da coalizão”, no sentido de ter sido capturado pelos próprios interesses conflitantes que pretendia coordenar.

Em síntese, a intransigência governamental em relação à greve dos professores e técnicos administrativos das universidades federais nada mais é do que o reconhecimento público da rendição do governo aos interesses privatistas e rentistas da coalizão política e econômica que o tornou refém de juros, desonerações e isenções exorbitantes em detrimento do orçamento público, das políticas públicas e dos serviços públicos. E, para que estes interesses prosperem, o movimento sindical do setor público, notadamente de professores e técnicos das universidades federais, precisa perecer. Em poucas palavras, “os petroleiros de Lula” precisam ser derrotados.

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