Por que a letalidade policial cresceu em São Paulo?

Em sua campanha, governador afirmou que polícia ia atirar para matar. Consequências são catastróficas

Governador João Doria. Foto: AFP Photos

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A letalidade policial no estado de São Paulo cresceu mais de 31% nos quatro primeiros meses do ano, em comparação com o mesmo período de 2019. No mês de abril, em plena quarentena, as mortes em decorrências de intervenção policial envolvendo PMs cresceu 50%, quando, paradoxalmente, houve diminuição dos crimes de furtos e roubos, segundo a própria Secretaria de Segurança Pública.

Doria se elegeu na onda da campanha de Jair Bolsonaro com a narrativa de que sua polícia atira para matar. Em matéria da Folha de S. Paulo o então candidato afirmou: “Não façam enfrentamento com a Policia Militar nem com a Civil. Se fizer o enfrentamento com a polícia e atirar, a polícia atira. E atira para matar”.

Em seu primeiro ano de governo, condecorou policiais envolvidos em ocorrências com morte e fortaleceu a política de repressão policial com a criação de novos Batalhões de Ações Especiais na região metropolitana e no interior do Estado. Além disso, prometeu fazer das polícias de São Paulo as mais bem pagas do Brasil, mas depois encaminhou à Assembleia Legislativa um aumento salarial pífio aos policiais, uma clara desvalorização da categoria.

O objetivo deste governo, mesmo que velado, é fortalecer a cultura repressiva secular que marca a história das polícias e do Estado brasileiros. Doria dá continuidade a um legado escravocrata nascido da defesa dos interesses das oligarquias em reprimir a população negra e pobre.


O inimigo interno tem nome e endereço: a juventude negra pobre das periferias, perseguida e morta sistematicamente.

Meu mandato está a serviço de uma polícia legalista, cidadã, democrática, combinada de modo permanente com a luta antirracista. Não pode haver democracia com este genocídio e com a desvalorização dos policiais. Infelizmente a Constituição Federal de 1988 não realizou mudanças estruturais nas polícias nesse sentido. Mas acredito que dialogar com a sociedade civil organizada e com os policiais é o caminho para construção de novos parâmetros para a segurança pública.

Desde o início do meu mandato definimos como um dos temas prioritários a Segurança Pública. Por isso minha primeira iniciativa foi fazer parte da Comissão de Segurança Pública da Alesp e posteriormente realizar propostas de diminuição da letalidade policial e valorização da categoria:

  1. Projeto de lei nº 338/20: estabelece que fica vedada a inclusão nos Boletins de Ocorrências referentes a mortes em decorrência de intervenção policial o acréscimo da expressão “excludente de ilicitude”, ou de qualquer outra que sugira legítima defesa. Afinal, concluir se houve ou não excludente de ilicitude em uma ocorrência policial se dá ao final da investigação e não no registro da ocorrência.
  2. Indicativo nº 2742/20 ao governador do Estado solicitando a imediata reativação da Comissão Especial para Redução da Letalidade em ações envolvendo policiais, de acordo com Resolução de 2000. Esta Comissão só funcionou de fato na época que foi criada, durante a gestão do governador Mario Covas.

  3. Representação ao Procurador Geral de Justiça solicitando que ele determine, como chefe do órgão responsável constitucionalmente por exercer o controle externo da atividade policial, a centralização dos Inquéritos Policiais Militares (IPMs) relativos a mortes em decorrência de intervenção policial na Corregedoria Geral da PM. É um absurdo que cerca de 97% destes IPMs sejam instaurados e investigados pelos Batalhões de origem dos policiais envolvidos nessas ocorrências. O resultado é que quase todos os IPMs são arquivados sem punição nenhuma dos policiais. O Ministério Público tem que fazer valer sua atribuição de órgão de controle externo das policias.
  4. Projeto de Lei 372/20: visando dar maior proteção às mulheres policiais e fortalecer a prevenção e o enfrentamento ao assédio sexual nas polícias, protocolei o projeto que institui políticas de prevenção e enfrentamento ao assédio sexual nas três polícias do Estado. Para garantir total isenção na apuração, a proposta de lei estabelece que os Inquéritos Policiais, ou Inquéritos Policias Militares, relacionados a assédio sexual, sejam instaurados e investigados pelas corregedorias e que mulheres presidam os procedimentos de apurações internas.

A letalidade policial não pode ser entendida como casos isolados ou “situações de exceção”, dado que se repetem de forma sistemática, mas como fruto de um modelo de segurança pública perverso, racista, que exclui os mais pobres do Estado de Direito e desvaloriza os policiais.

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