Sergio Takemoto

Presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae)

Opinião

Proposta da Caixa e Funcef sobre equacionamento ignora e silencia participantes

As mudanças propostas sacrificam direitos em troca de um alívio momentâneo

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Imagine a seguinte situação: você e seus vizinhos contribuem mensalmente para a manutenção do prédio onde moram. Um dia, o síndico e a administradora do condomínio se reúnem para deliberar sobre reformas, aumento da taxa de condomínio e novas regras de convivência. Decidem que, para diminuir a taxa de condomínio, vão retirar o acesso dos moradores às áreas comuns do prédio. No entanto, os moradores, que pagam e são diretamente afetados por essas decisões, não são convidados para essa reunião. É absurdo pensar que aqueles que arcam com os custos e vivem as consequências das decisões não tenham voz nas decisões, certo?

Agora, aplique essa lógica à situação da Caixa e da Funcef deliberando sobre os direitos dos participantes sem a presença destes. É igualmente despropositado, não é? No entanto, essa é a realidade que os participantes enfrentam. As instituições propuseram uma redução do equacionamento, retirando direitos sem incluí-los na discussão da proposta ou, pelo menos, consultá-los.

A divulgação da proposta pela Funcef, como se fosse vantajosa ao afirmar “mais dinheiro no seu bolso no presente”, é uma meia-verdade que esconde um impacto negativo muito maior, além de uma tentativa vergonhosa de ludibriar os participantes.

Embora a redução das contribuições extraordinárias seja um objetivo almejado por todos e a comunicação da Funcef seja atraente à primeira vista, a verdade é que essa proposta retira direitos adquiridos pelos participantes, representando uma perda coletiva de quase R$ 3 bilhões. Este é um custo altíssimo, com consequências que serão sentidas ao longo de toda a vida dos participantes. Pior ainda, Caixa e Funcef não possibilitam que os participantes aceitem ou recusem a proposta.

As mudanças propostas sacrificam direitos em troca de um alívio momentâneo. É crucial que as instituições sejam transparentes com os participantes, para que estes estejam cientes de que essa redução nas contribuições não é um verdadeiro benefício, mas sim uma estratégia que comprometerá seriamente seus direitos.

Para tornar mais evidente, é importante quantificar os impactos. A proposta prevê a unificação das três alíquotas de equacionamento vigentes em uma só, criando um único plano de equacionamento com prazo ampliado de 12 para 18 anos. A redefinição do cálculo do benefício da pensão por morte, reduzindo de 80% para 50% mais 10% por dependente, resulta em uma perda de cerca de R$ 1,8 bilhão.

A exclusão do benefício de pecúlio, atualmente equivalente a duas e meia vezes o benefício saldado, representa uma perda de aproximadamente R$ 815 milhões. A mudança no Fundo de Acumulação de Benefícios (FAB) que exclui o tempo de contribuição anterior aos 18 anos como critério de acumulação, resulta em uma perda de cerca de R$ 258 milhões.

Outras mudanças incluem a redução da idade máxima dos filhos para recebimento de pensão de 24 para 21 anos e a aplicação das regras da Lei 13.135/2015 para o cônjuge, resultando em uma perda de direitos de cerca de R$ 46 milhões.

Essas medidas, somadas, representam uma perda total de aproximadamente R$ 2,9 bilhões em direitos. O curioso é que, para a Caixa e Funcef, essas medidas não geram qualquer ônus, e ambas sequer cogitam alternativas que verdadeiramente demonstrem a eficiência da gestão, como a busca de melhor performance dos investimentos e a revisão da meta atuarial.

Por exemplo, é possível alterar a taxa de juros dos atuais 4,5% para 4,85%, o que teria um impacto na ordem de aproximadamente R$ 2 bilhões. Este é um percentual conservador, pois está abaixo do limite de 5,14% estabelecido pela Portaria 308/2024 para planos com a mesma “duration”, e também é inferior à média das taxas de juros dos títulos públicos que a Funcef possui em sua carteira, que é de 5,85%.

A proposta apresentada pela Caixa e Funcef é claramente confortável para a patrocinadora, que não terá nenhum encargo adicional, apenas antecipará parte de suas obrigações no custeio do equacionamento, em R$ 2,9 bilhões. Além disso, a Caixa sequer considerou pagar os reflexos na Funcef de sua dívida trabalhista, que gera um contencioso bilionário. A dívida é da Caixa, mas quem paga são os participantes, sem sequer saberem o valor já pago.

A Fenae, Contraf e Anapar estão estudando todas as possibilidades, inclusive jurídicas, para que direitos não sejam retirados. Defendem que os direitos dos participantes sejam respeitados e que se busquem alternativas a partir de um grupo no qual haja a inclusão dos participantes. As necessidades que temos no presente não podem sacrificar nosso futuro.

A luta da Fenae, Contraf e Anapar é por uma solução mais equitativa, que não prive os participantes de seus direitos por uma economia momentânea que trará prejuízos por toda a vida. Não podemos permitir que a Funcef e a Caixa tratem os participantes como meros espectadores enquanto seus direitos e futuro são negociados a portas fechadas e decididos à sua revelia.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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