Suspiro nas trevas

No Brasil, uma criança estuprada teve o aborto legal negado. Nos EUA, a Suprema Corte revogou o direito constitucional à interrupção da gravidez. Como superar tantos golpes?

Ativistas se mobilizam em torno da questão do aborto nos Estados Unidos. Foto: Win McNamee/Getty Images/AFP

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Viver é se sentir partido ao meio. Mas, ultimamente, nem partidos ao meio estamos. Parece que 80% do coração da gente está angustiado, esperando a próxima pancada e recebendo-a, com raiva, com desespero, com resignação, porque são muitas pancadas, muitos socos, de todos os lados. Não dá tempo de respirar, de se recompor para o próximo assalto que o juiz está apitando o nocaute seguinte. Aquele outro 20%, e estou sendo muito generosa, se regozija com as poucas notícias que esquentam a alma.

Sejamos sinceros, antes fosse 20%. Tem dias que a gente fica num miserável 5%, 1%… Tem dias que a alma fica gelada. Estamos tão carentes de boas-novas, tão órfãos de grandes vitórias, que aguardamos, com entusiasmo, as possíveis pequenas conquistas, nos deleitamos, como crianças com brinquedos novos, a cada mínima possibilidade de esperança. Estamos tão frágeis que a gente já não mais vibra só com os grandes fulgores de luz, mas com os tímidos cintilares que temos a nosso dispor. Uma pequena faísca, uma chispa diminuta de fé, e a gente se agarra a elas como carrapatos desesperados, até o próximo soco no estômago.

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1 comentário

PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 10 de julho de 2022 04h49
Eis que no Brasil, uma juíza do estado de Santa Catarina julgou contra legem, conspurcou contra a Constituição, o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente ao constranger uma criança, tentando-a convencer a não interromper um aborto criminoso. Que o CNJ tome as medidas cabíveis contra essa magistrada que não honrou a sua toga. Já nos Estados Unidos a suprema corte em que alguns juízes foram nomeados por Trump decretaram o aborto ser ilegal no país todo. Quanto retrocesso, mas que pode ser reparado pelo legislativo unindo republicanos e democratas para que legislem pela garantia sagrada e inalienável da mulher dispor do seu próprio corpo. O Brasil é laico, os EUA também é um país laico, mas parece que as convicções religiosas e conservadoras se imiscuem no judiciário daqui como de lá. Que o tempo cure essas chagas da ideologia ativista antiliberal em países que se dizem liberais, que diz o que o individuo deva fazer somente o que a vontade de uma minoria conservadora e reacionária deseja contra as mulheres. Resta-nos o consolo das urnas de Colômbia e que assim seja no Brasil com Lula de volta ao poder.

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