Todos os insetos, menos as baratas

'Quem não tem nojo daquelas grandes, envernizadas?', escreve Alberto Villas

Foto: iStock

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Na infância, era comum brincar com todo tipo de inseto. Besouros, minhocas, borboletas, joaninhas, tatu bolinha. Havia muitos insetos no quintal, tantos que colecionávamos em pranchas de isopor, espetados por alfinetes. Percevejos, louva-deuses, grilos, formigas.

Era preciso ter cuidado com o pó que saia das asas das borboletas porque cegava, diziam as tias. A aranha, quanto menor, mais perigosa. O escorpião, ninguém podia passar nem de longe. E a abelha era papo furado que só fazia zunzum e mel. A ferroada de uma abelha podia nos levar ao pronto-socorro.

O progresso está espantando os insetos das metrópoles. Aqui em São Paulo é muito difícil ver um tatu bolinha virando bolinha, uma cigarra cantando, um vaga-lume piscando por aí. Sumiram até as moscas que insistiam em entrar na vitrine do pão doce na padaria.

Aranha tem anos que não vejo uma. Como não vejo pulga, muriçoca ou uma centopeia. Mas tem dois insetos que não teve progresso que foi capaz de dar cabo neles: o pernilongo e a barata.

Pernilongo é mato aqui em casa. Moramos no segundo andar e os galhos das árvores do jardim do prédio, como já estão quase entrando pela janela, são verdadeiros tobogãs pra eles.

O cachorro dá o alarme olhando para o teto e levantando quando algum aventureiro se atreve a vir passar a noite conosco. A minha mulher, raquete na mão, não erra um. É um tal de tac tac tac, como aquele ratatatá daquele garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones, que não para nunca.


Agora vamos falar das baratas. Quem não tem nojo de uma barata, daquelas grandes, envernizadas? Aqui em casa é lei. Se por acaso aparecer alguma, ninguém dorme no cômodo enquanto não certificarmos que o corpo tá lá estendido no chão.

Uma dedetização com massinha nos deixou livres delas já faz uns dez anos. Nunca mais apareceu uma por aqui. Mas essa semana, o relato da invasão de baratas na casa da minha filha, feito por ela assim que abriu a porta da rua e entrou, foi equivalente a um filme de terror.

Elas chegaram em bando pelo esgoto da área de serviço e foram saudadas por um grito da faxineira. Eram muitas, um batalhão, que foram entrando sem pedir licença. Trinta e oito morreram afogadas no SBP e uma dúzia resistiu até o final da tarde quando a turma do Brasanitas foi embora e elas ainda estavam lá no chão da cozinha, pernas pro ar, mexendo as anteninhas.

Não vou entrar em detalhes para não espantar o leitor, mas, segundo ela, foi um filme de terror tipo Praga Infernal, ao vivo e em cores. Na verdade, uma cor só, assim meio marrom, meio sépia.

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