Claudio Bueno

Artista visual e professor no Departamento de Arte da Universidade da Califórnia. É co-fundador dos coletivos, 'Explode!', 'O grupo inteiro' e 'Intervalo-Escola'

Opinião

Uma conversa sobre arte e libertação com Angela Davis e Gina Dent 

Inauguro esta coluna com as bençãos, axés, todas as boas energias e ideias de duas grandes pensadoras norte-americanas, conhecidas mundialmente por sua influência no feminismo negro e abolicionista

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Olá, sou Cláudio Bueno, artista visual e professor no Departamento de Arte da Universidade da Califórnia, Santa Cruz e, agora, novo colunista da CartaCapital, muito prazer. Leciono no MFA de Arte Ambiental e Prática Social e sou afiliado ao curso Visualizing Abolition Studies dessa mesma universidade.

Inauguro essa coluna com as bençãos, axés, todas as boas energias e ideias de duas grandes pensadoras norte-americanas, conhecidas mundialmente por sua influência no feminismo negro e abolicionista: Angela Davis e Gina Dent. Elas lançaram em 2023, no Brasil, pela Companhia das Letras, junto de mais duas escritoras, o livro “Abolicionismo. Feminismo. Já.” A conversa a seguir se deu na recente ocasião da visita de ambas ao Rio de Janeiro.

Iniciar esta coluna em diálogo com Davis e Dent é anunciar meu interesse em apresentar aos leitores de CartaCapital o mundo da arte ligada às questões sociais, incluindo debates abolicionistas, ambientais, comunitários e educativos. Queremos refletir sobre como as parcerias entre artistas, instituições e diferentes grupos sociais podem inspirar novas formas de imaginar e viver com liberdade, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, onde hoje resido.

Gina Dent, professora nos departamentos de Estudos Feministas, História da Consciência e do programa de Estudos Legais da UCSC, é co-organizadora do Visualizing Abolition, uma iniciativa pública do Institute of the Arts and Sciences da universidade. O programa oferece exposições de arte, eventos públicos, comissionamentos, uma série musical, bolsas de pós-doutorado, oficinas para alunos de pós-graduação e outras atividades voltadas para o debate e práticas abolicionistas. Seu objetivo é promover a pesquisa criativa e transformar a percepção social sobre as prisões por meio da arte e da educação.

Nas palavras de Dent, o programa foi concebido para abordar o problema da presença constante do encarceramento, da violência policial e da criminalização no cotidiano, seja nas ruas, na televisão ou nos espaços culturais. “Acho que as pessoas não se dão conta do quanto normalizamos e naturalizamos o encarceramento e o policiamento. Em parte porque essa questão é apresentada a nós como um componente essencial e permanente da vida humana.”

A iniciativa, destaca ela, busca para reunir artistas que possam mudar e reorganizar a forma como pensamos e enxergamos essas questões e reforça que, para garantir um futuro onde a liberdade não dependa da criminalização, a arte é fundamental. “Juntos, podemos chegar a uma riqueza de imagens, narrativas e traduções que podem nos ajudar a criar um novo tipo de futuro.”

Dent também vê com especial atenção o papel do Brasil nesta jornada. “O Brasil, que valoriza muito a expressão cultural e a preservação do patrimônio cultural, talvez seja o lugar onde seja mais possível pensar com essa complexidade. Há uma história de repressão, de violência militar e de racismo, mas também há um movimento profundo que sempre manteve uma relação com outras formas de existência que se expressam por meio das artes e podem fazer parte do que impulsionará esse novo futuro.” 

A filósofa e ativista Angela Davis, que completou recentemente 80 anos, também vê com entusiasmo e esperança o empenho de artistas e da arte engajada na transformação social. “Nunca imaginei, quando jovem, que veria o grande público levar a sério a questão da abolição, e acho que os artistas têm sido absolutamente fundamentais nesse processo. Como alguém que tem trabalhado com questões ligadas à prisão e outras formas de repressão do Estado, como a polícia, durante a maior parte da minha vida, fico extremamente feliz.

Os artistas, artistas-acadêmicos e intelectuais orgânicos que trabalham com a relação entre arte e libertação, celebra ela, tem conseguido se aprofundar neste debate e encorajar a sociedade a reconhecer que as prisões não são um fenômeno natural e “não precisam fazer parte do futuro da humanidade”.

“Precisamos de uma abordagem abolicionista que exija não apenas o fim das prisões, da polícia e de outros aparatos ideológicos do Estado, mas também um engajamento crítico com a ideologia que convence as pessoas de que as prisões estarão aqui para a eternidade.”

Davis, que também é professora emérita da UCSC, compartilhou ainda suas impressões sobre a brutalidade da violência policial, do racismo e do encarceramento em massa no Brasil. “A situação parece terrível, com um número cada vez maior de pessoas morrendo nas mãos da polícia, em prisões superlotadas, com grande número de pessoas atrás das grades, com o aumento do número de mulheres cisgênero e trans nas prisões. Apesar disso, fico muito feliz em ver que há alguma luz no fim do túnel, e que um número cada vez maior de pessoas está imaginando um mundo diferente.”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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