Em seu giro pela Europa para divulgar as traduções de seu premiado livro “Descobri que estava morto”, o escritor João Paulo Cuenca tem se deparado com uma plateia interessada em discutir não apenas sua obra, mas a realidade política brasileira, com foco na atualidade internacional.
Com passagens pela Itália, França e Alemanha, Cuenca tem participado de discussões nas quais o alvo principal é Jair Bolsonaro.
“O pessoal aqui na Europa não consegue entender o que acontece no Brasil, é uma espécie de susto. Estão abismados com o fato. Elas não conseguem entender. É quase um estado de negação”, acrescenta.
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Considerando Bolsonaro um “fenômeno complexo”, o escritor argumenta que a ascensão do candidato é resultado também de uma falta de posicionamento mais efetivo da mídia e de vigilância de diversas instituições com seu discurso.
“O fenômeno do antipetismo fez ele crescer, mas a naturalização do discurso de extrema direita e fascista dele acontece há 20 anos, em que ele é taxado como ‘polêmico’ pela imprensa, ao invés de ser taxado de extrema direita. O discurso dele é naturalizado e aceito pelos tribunais e pelo Congresso brasileiro”, diz. “As instituições viram o Bolsonaro cometer crimes durante anos e nada fizeram. A imprensa também nada fez ao não tipificar esse discurso”, denuncia.
Na entrevista à RFI Brasil, Cuenca também lembrou de declarações controversas do capitão da reserva não submetidas a sanções, como a homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça como torturador durante o regime militar ao declarar seu voto na Câmara dos Deputados pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Assista ao vídeo na íntegra:
“O processo de anistia depois da ditadura fez com o Brasil sofresse um apagamento histórico. Imagine se na Argentina um deputado no Congresso faz uma apologia a um ditador? Ele iria apanhar na rua, ser preso. Não existe isso. No Uruguai, um militar que expressa uma opinião política vai preso”, argumenta.
Além do que chama de “naturalização” de um político de extrema direita como polêmico pela imprensa e pelas instituições democráticas, Cuenca analisa outro aspecto fundamental que explica a subida de Bolsonaro nas intenções de voto: o antipetismo arraigado na sociedade brasileira.
“Eu sou crítico do PT desde a primeiras eleição do Lula e esse antipetismo quase irracional é também responsável por fazer as pessoas votarem em qualquer coisa para tirar o PT, que virou uma espécie de ameaça vermelha, comunista, o que é ridículo”, afirma.
“O PT não ameaçou as instituições democráticas, nem transformou o Brasil em uma Venezuela. Ele governou com os bancos, as grandes empresas, fez acordo com a mídia. Não é uma força disruptiva democrática como Bolsonaro”, defende.
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