Política

A decisão do STF sobre anencefalia

Muitas interpretações difundidas sobre o que apreciou o Supremo, na grande imprensa e nas redes sociais, foram equivocadas

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Na semana passada, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que não será crime a interrupção da gravidez em que a gestação seja de um feto com anencefalia, ou seja, de fetos cuja má-formação do cérebro e do córtex inevitavelmente leva ao óbito momentos após o nascimento.

No entanto, uma análise estritamente jurídica da decisão, permite-nos observar que foram equivocadas muitas interpretações difundidas sobre o que apreciou o Supremo —seja na grande imprensa ou nas redes sociais.

A confusão maior se deu na avaliação de que o STF julgou que está em conformidade com a Constituição a prática abortiva dos fetos anencéfalos. Mas não foi bem isso que, a meu ver, a Corte analisou.

O que dizem nossas leis? Inicialmente, que os abortos são proibidos, portanto, sua prática é vedada em todo o território nacional. Mas o dispositivo legal prevê duas exceções a essa regra geral: 1. Quando a gravidez oferece risco à vida da mãe; e, 2. Quando o feto em gestação é resultado de estupro, crime hediondo previsto no Código Penal.

São duas exceções animadas pelo princípio da razoabilidade e que contam com o amplo apoio da sociedade.

Portanto, para considerar que um aborto deixe de ser crime fora dessas condições claramente determinadas em lei, o STF teria que inovar e ampliar o rol de exceções. Nesse sentido, a Corte estaria criando um terceiro caso passível de exceção à regra geral, o de que também podem ser realizados, com o amparo da lei, abortos de fetos com anencefalia. Ora, mas isso seria usurpar o papel do legislador.

Aliás, esse foi o cerne da argumentação que o ministro Ricardo Lewandowski utilizou para votar contra: criar uma nova exceção seria o mesmo que o STF legislar, logo, desviando-se de suas funções de julgadores e interpretadores da Constituição.

Poderíamos, inclusive, ir além e vislumbrar nessa interpretação a abertura de espaço para o Supremo avaliar a constitucionalidade de outros casos de aborto.

Ocorre que não foi isso o que o STF analisou. O olhar dos ministros se projetou não para o início da vida, mas para sua potencialidade. Quer dizer, no caso de fetos com anencefalia, sabe-se que não há, potencialmente, chances de se constituir uma vida a partir de sua gestação. É ponto pacífico que não haverá concretização da vida nesses casos.

Sob esse ângulo, a curetagem de um feto com anencefalia deixa de ser um aborto, ao menos no sentido jurídico da expressão. Se não há chance de concretização da vida, não há crime contra a vida, portanto, não é o caso de se falar em aborto.

Mais do que isso: julgada sob esses termos, não resta dúvida de que o Supremo não invadiu a competência legislativa do Congresso Nacional, porque não criou uma nova exceção à proibição ao aborto e, nesse sentido, também não abriu brechas para descriminalizar o aborto de forma ampla. Não restam razões jurídicas para justificar isso, pois não foi analisada a constitucionalidade do aborto.

Em suma, o que o STF fez foi reconhecer no debate jurídico uma proposição que vem da ciência – o da impossibilidade de concretização da vida nas gestações de fetos anencéfalos.

Não se entrou na análise da extensão jurídica que emergirá da confrontação de dois princípios: o direito à vida e o direito à livre gestão corporal pela mulher. O que se fez foi declarar a não incidência do tipo penal “aborto” no caso concreto da interrupção da gravidez por anencefalia.

Ou seja considerar que tal caso não se enquadra como aborto e não considerá-lo um “aborto excepcional”.

A diferença pode parecer sutil, mas é imensa. De um lado subtrai do caso, a nosso ver, qualquer característica de inovação legislativa pois nada mais fez a Corte  do que considerar uma tipologia de casos como enquadrados ou não nas normas já vigentes, tarefa aliás exclusiva da jurisdição em nosso sistema.

De outro lado, contudo, não autoriza, sob o ponto de vista jurídico, se afirmar que a decisão foi um passo para a descriminalização total do aborto, pois o tipo penal aborto não entrou em debate quanto à sua constitucionalidade em momento algum. Em essência, decidiu-se pelo não enquadramento da curetagem de fetos anencefálicos no tipo penal em comento.

Sabemos que o Brasil é o quarto país com maior número de casos de anencefalia do mundo, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), com um caso para cada 700 nascimentos por ano. Era preciso tomar providências para minimizar o sofrimento dessas mulheres que se viam sob a imposição legal de garantir uma gestação sabendo de antemão que aquela jamais seria a concretização de uma vida.

Ao decidir que interromper a gestação de fetos com anencefalia não é crime, sem  considerar o ato um caso de aborto, o STF dá um passo importante para minimizar ao menos esses sofrimentos.

Na semana passada, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que não será crime a interrupção da gravidez em que a gestação seja de um feto com anencefalia, ou seja, de fetos cuja má-formação do cérebro e do córtex inevitavelmente leva ao óbito momentos após o nascimento.

No entanto, uma análise estritamente jurídica da decisão, permite-nos observar que foram equivocadas muitas interpretações difundidas sobre o que apreciou o Supremo —seja na grande imprensa ou nas redes sociais.

A confusão maior se deu na avaliação de que o STF julgou que está em conformidade com a Constituição a prática abortiva dos fetos anencéfalos. Mas não foi bem isso que, a meu ver, a Corte analisou.

O que dizem nossas leis? Inicialmente, que os abortos são proibidos, portanto, sua prática é vedada em todo o território nacional. Mas o dispositivo legal prevê duas exceções a essa regra geral: 1. Quando a gravidez oferece risco à vida da mãe; e, 2. Quando o feto em gestação é resultado de estupro, crime hediondo previsto no Código Penal.

São duas exceções animadas pelo princípio da razoabilidade e que contam com o amplo apoio da sociedade.

Portanto, para considerar que um aborto deixe de ser crime fora dessas condições claramente determinadas em lei, o STF teria que inovar e ampliar o rol de exceções. Nesse sentido, a Corte estaria criando um terceiro caso passível de exceção à regra geral, o de que também podem ser realizados, com o amparo da lei, abortos de fetos com anencefalia. Ora, mas isso seria usurpar o papel do legislador.

Aliás, esse foi o cerne da argumentação que o ministro Ricardo Lewandowski utilizou para votar contra: criar uma nova exceção seria o mesmo que o STF legislar, logo, desviando-se de suas funções de julgadores e interpretadores da Constituição.

Poderíamos, inclusive, ir além e vislumbrar nessa interpretação a abertura de espaço para o Supremo avaliar a constitucionalidade de outros casos de aborto.

Ocorre que não foi isso o que o STF analisou. O olhar dos ministros se projetou não para o início da vida, mas para sua potencialidade. Quer dizer, no caso de fetos com anencefalia, sabe-se que não há, potencialmente, chances de se constituir uma vida a partir de sua gestação. É ponto pacífico que não haverá concretização da vida nesses casos.

Sob esse ângulo, a curetagem de um feto com anencefalia deixa de ser um aborto, ao menos no sentido jurídico da expressão. Se não há chance de concretização da vida, não há crime contra a vida, portanto, não é o caso de se falar em aborto.

Mais do que isso: julgada sob esses termos, não resta dúvida de que o Supremo não invadiu a competência legislativa do Congresso Nacional, porque não criou uma nova exceção à proibição ao aborto e, nesse sentido, também não abriu brechas para descriminalizar o aborto de forma ampla. Não restam razões jurídicas para justificar isso, pois não foi analisada a constitucionalidade do aborto.

Em suma, o que o STF fez foi reconhecer no debate jurídico uma proposição que vem da ciência – o da impossibilidade de concretização da vida nas gestações de fetos anencéfalos.

Não se entrou na análise da extensão jurídica que emergirá da confrontação de dois princípios: o direito à vida e o direito à livre gestão corporal pela mulher. O que se fez foi declarar a não incidência do tipo penal “aborto” no caso concreto da interrupção da gravidez por anencefalia.

Ou seja considerar que tal caso não se enquadra como aborto e não considerá-lo um “aborto excepcional”.

A diferença pode parecer sutil, mas é imensa. De um lado subtrai do caso, a nosso ver, qualquer característica de inovação legislativa pois nada mais fez a Corte  do que considerar uma tipologia de casos como enquadrados ou não nas normas já vigentes, tarefa aliás exclusiva da jurisdição em nosso sistema.

De outro lado, contudo, não autoriza, sob o ponto de vista jurídico, se afirmar que a decisão foi um passo para a descriminalização total do aborto, pois o tipo penal aborto não entrou em debate quanto à sua constitucionalidade em momento algum. Em essência, decidiu-se pelo não enquadramento da curetagem de fetos anencefálicos no tipo penal em comento.

Sabemos que o Brasil é o quarto país com maior número de casos de anencefalia do mundo, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), com um caso para cada 700 nascimentos por ano. Era preciso tomar providências para minimizar o sofrimento dessas mulheres que se viam sob a imposição legal de garantir uma gestação sabendo de antemão que aquela jamais seria a concretização de uma vida.

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