Política

A insustentável leviandade do impeachment

A naturalização das alternativas não democráticas cogitadas pela oposição é um grave dano ao País

Dilma Rousseff com operários do Terminal de Grãos do Maranhão, na quarta-feira 10
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Ultimamente permanecia em estado de contínuo espanto cada vez que lia os jornais, acessava as redes sociais, ficava sabendo de declarações de pessoas ilustres e entidades conceituadas ou simplesmente escutava conversas sobre como terminar antecipadamente o mandado presidencial consagrado na Constituição. Via que mais e mais pessoas ao meu redor estavam falando sobre o tema como fato prestes a acontecer. Mas eu me recusava a comentar sobre o assunto como se fosse algo corriqueiro. Desculpem, não estou acostumado.

Lembro que quando era criança e o candidato das preferências de meu pai perdia uma eleição, ele falava que só restava torcer para que o ganhador fizesse um bom governo. Afinal, ia capitanear o barco em que estávamos todos durante os próximos quatro anos. De jeito algum isso significava que abrisse mão de seu direito de criticar o governo, mas, como homem pragmático criado no campo, sabia que os erros e acertos de quem liderasse o governo o afetariam. 

Em meio às não poucas perturbações que têm sofrido meu país natal, a Colômbia, só houve duas constituições desde 1886 e durante esse tempo só houve um breve governo militar de quatro anos. Esse período foi a interrupção mais prolongada de eleições presidenciais desde 1833.   

Nesses mais de 180 anos de ciclos eleitorais quase ininterruptos, a Colômbia padeceu de guerras civis e externas, perdas de território, desastres naturais, guerrilhas, confronto com poderosos narcotraficantes além das mazelas da corrupção e da pequena política. Com exceção da renúncia de um presidente em 1921 e a situação irregular que levou ao governo militar em 1953, todos os presidentes terminaram seu período presidencial conforme a norma constitucional vigente. 

Acredito que parte da fortaleza da Colômbia para não sucumbir perante tantas adversidades está relacionada com esse respeito arraigado pela institucionalidade, pelas regras do jogo. Ou em outras palavras, respeito pelo Estado de Direito. 

Um dos indicadores da estabilidade institucional da Colômbia é sua moeda. O peso colombiano não mudou de nome nem teve corte de zeros desde 1903, após uma grande guerra civil. A denominação monetária que usaram meus bisavôs é a mesma de curso corrente hoje. Só por analogia, no mesmo período Brasil já passou por oito redenominações monetárias e já foram cortados muitíssimos zeros. Sem falar das interrupções na continuidade democrática. 

Por isso não estou acostumado a falar levianamente de terminação antecipada de períodos presidenciais. Não acho que presidentes sejam como técnicos de futebol, que a torcida pede para trocar quando perde três jogos. Os mecanismos extraordinários de afastamento presidencial devem continuar a ser excepcionais se queremos fortalecer o país institucionalmente para resistir às crises.  

Me recuso a usar o anglicismo impeachment para esconder o que estava acontecendo. Estávamos presenciando uma “caça ao tesouro” à procura de crimes de responsabilidade para iniciar uma acusação contra a presidenta. Não parecia outra coisa senão uma farsa a grande escala da tragédia que fabricaram contra o presidente Fernando Lugo no Paraguai. Esse não é o caminho de uma oposição responsável.

Diferentemente do que acreditam alguns, não é o governo que está se “venezualizando”, mas a oposição que leva doze anos sem se constituir como uma verdadeira alternativa de poder para a seguinte eleição e agora faz flertes com alternativas não democráticas. A naturalização dessas alternativas, mesmo disfarçadas com o supracitado anglicismo, é um dos maiores danos que esses segmentos políticos estão causando ao País. 

Mas o maior desserviço de todos nesse processo tem sido prestado pela grande imprensa ao ecoar e amplificar alternativas excepcionais como próximas e possíveis dentro da imaginação da população. A discussão extemporânea de cenários contando como certo o término antecipado, de qualquer forma, da mandatária legitimamente eleita, tem colaborado para fragilizar mais a institucionalidade da ainda fraca democracia brasileira. 

Mas em meio de tudo, há uma luz no caminho. Pelo dito pela família Marinho do Grupo Globo, na Casa Grande chegaram à mesma conclusão da lógica camponesa de meu pai: estamos todos no mesmo barco. Ficar sem um legítimo capitão só leva o Brasil a navegar erraticamente por águas incertas e isso não faz bem para quem está a bordo. Acho que eles perceberam que instabilidade institucional não combina com negócios.  

De um dia para outro, os que apregoavam o dito impeachment ficaram como carpideiras sem morto. Alguns que não se terminam de resignar agora pregam por uma improvável renúncia presidencial. Mais valeria que se resignassem de vez e se preparassem para 2018.

Recusar-me a considerar como razoáveis as ações inconscientes propostas contra o mandado das urnas não impede que possa debater as ações de governo. A avaliação crítica dessas ações faz parte de nosso exercício democrático. Até porque os mandatários não são eleitos simplesmente para cumprir um programa, mas também para lidar com a contingência de fatos imprevistos. 

E podem ser questionados em ambos os sentidos. Inclusive, acho muito válido pedir a saída de ministros que fracassam na execução de políticas ou na forma de lidar com as crises. Certa vez escutei que ministros eram como fusíveis. Deviam ser os que se queimam e trocam para proteger a instituição da presidência. Isso é algo sobre o qual deveríamos conversar mais e questiono se não estamos na hora de trocarmos alguns fusíveis.  

Ricardo Palacios é médico, brasileiro naturalizado e estuda Ciências Sociais na Universidade de São Paulo. As opiniões expressadas neste artigo não representam a posição de instituição alguma

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