Política

A roupa nova da (futura) rainha

Kate Middleton, a “elite camarote” britânica e o efeito “look do dia”. Por Vivi Whiteman

A duquesa de Cambridge, Kate Middleton, que fez um vestido da grife Diane Von Furstenberg esgotar nas lojas do mundo inteiro após usá-lo durante uma visita à Austrália ao lado de seu marido, o príncipe William
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Na última semana, as revistas de moda anunciaram: “o efeito Kate está de volta!”.  A exclamação fazia referência à duquesa de Cambridge, Kate Middleton, que fez um vestido da grife Diane Von Furstenberg esgotar nas lojas do mundo inteiro após usá-lo durante uma visita à Austrália ao lado de seu marido, o príncipe William. Com a repetição do furacão de vendas (isso já havia ocorrido com outros modelos usados pela moça), voltaram também os artigos que se referem a ela como “a nova princesa Diana”.

Em termos de estilo e postura, porém, Kate Middleton está para a Diana assim como uma “top-blogueira” está para Kate Moss. Nos dois casos, os níveis de popularidade envolvidos são altíssimos, mas algumas diferenças de marketing pessoal revelam como a nova queridinha real reflete as mudanças no mundo e nas estratégias de poder do alto escalão britânico.

Para a família real inglesa, a gestão de imagem de seus integrantes é mais do que apenas questão de publicidade, faz parte do próprio núcleo duro da política do país.  E, apesar da vida polêmica e da morte trágica, Diana foi responsável por transformar as fotos oficiais de pessoas empertigadas e distantes em registros mais divertidos, calculadamente casuais e, portanto, capazes de criar uma ilusão de aproximação entre reis, rainhas, princesas e seus súditos.

Foi Diana que, com seu senso de oportunidade, fotogenia e manipulação de cena, transformou a vida da realeza em objeto de desejo mundial. É claro que monarcas, suas riquezas, extravagâncias e regalias, foram motivo de admiração desde sempre. Mas Diana foi quem mostrou que eles poderiam se transformar em verdadeiras celebridades, ídolos pop, se ousassem aparecer em situações, poses e atitudes menos trono e mais pé no chão.

Foi ela quem deu ao cidadão comum o sonho de estar mais perto dos “intocáveis”.

Não à toa, Diana, que começou com modelitos de inglesa antiquada e terminou vestindo Versaces justos e decotados, foi musa não só dos fotógrafos oficiais da realeza, como Kent Gavin, do “Daily Mirror”, mas também de profissionais especializados em imagens de moda, como Mario Testino.

Com a morte da princesa, em 1997, a família real viveu um período de seca marqueteira, que só não foi pior por conta dos inúmeros tributos à Diana e porque seus filhos, William e Harry, resolveram botar as asinhas de fora.

Mas foi com a chegada de Kate Middleton e o casamento com William que a coisa voltou a esquentar. Jovem, bonita e simpática, a moça que o princípe conheceu na faculdade era o que o bonde elizabetano precisava para voltar às boas com os ingleses, que estavam e continuam vivendo um período de crise econômica.

Kate, no entanto, não passa de uma versão fast-fashion deluxe de Diana.E o termo de moda cabe muito bem aqui.

Para Diana, as roupas, os looks, eram a cereja do bolo de sua popularidade. Ela sabia seduzir,  direcionar os fotógrafos e fazia statements políticos sem precisar abrir a boca. A “princesa do povo” segurou e beijou bebês infectados com o vírus da Aids quando isso ainda era tabu. Limpou feridas e posou com pessoas que tinham perdido suas pernas em áreas com minas terrestres. Durante viagem oficial à Índia, para ilustrar a própria solidão, sentou-se sozinha num banco, com o Taj Mahal ao fundo, e apenas esperou pelo clique histórico.

Ela criou um mito pessoal e, a partir dele, uma grife. Diana não era santa. O que faz dela uma figura interessante é exatamente uma certa vaidade que extrapolou os limites da realeza. Para desespero de Elizabeth II, Diana não queria ser apenas a mulher moderna do príncipe Charles, ousou deixar claro que  achava pouco ser princesa, tinha fome de popstar, queria ser diva, heroína contemporânea, sambar na face da sucessão britânica.

Kate, ao menos até agora (ela ainda terá tempo de mostrar a que veio), é apenas uma cópia dessa grife. Sua imagem não tem mito próprio, é feita de brilho emprestado e, embora simpática, elegante e descontraída, opera comportadinha dentro das leis atuais da família.

Muitos  de seus modelos são versões modernizadas dos usados por Diana. Sua atitude de contato com o povo também foi ensinada pelas estratégias herdadas da sogra. Para a duquesa, as roupas e os looks não são um detalhe importante, mas talvez o foco principal de sua popularidade. É um marketing de cópia atualizada e controlada. Uma cópia de luxo, autorizada, mas, ainda assim, cópia.

Traduzindo numa situação de mercado, é como se a Chanel fizesse uma coleção para a cadeia de lojas inglesa Topshop. É feita e autorizada pela Chanel, mas tem algo de Topshop.

Basta uma busca simples na internet para constatar que os vestidos, a maquiagem, o cabelo, o regime, as roupinhas do filho, os sapatos etc. são os elementos que mais aparecem ligados a notícias sobre Kate.

Isso, em termos de marketing, não é necessariamente ruim. Afinal, Kate será a futura rainha de um mundo dominado pelo culto à selfie e ao troca-troca frenético do “look do dia”.

Os vestidos mais copiados de Kate não são os clássicos britânicos, nem os mais caros, são os mais casuais, com algo de sensual. Aliás, a moça teria seduzido William ao desfilar um modelo horrendo, porém revelador, num evento de caridade na universidade de Saint Andrews, onde o casal se conheceu e começou a namorar. Se existe um embrião de “mito fundador” da duquesa é esse: a moça ex-gordinha que desfilou seminua para uma plateia de colegas milionários e ganhou o príncipe. Tudo em nome dos pobres e necessitados.

Na semana passada, aconteceu a versão 2014 do desfile de caridade da Saint Andrews. Quem abriu o show foi um casal de quase-sósias de Kate e Will. A moça, especialmente, era muito parecida com a duquesa, e usava um microvestido colante preto com meia-calça e saltão.

O público, formado por jovens da elite que frequentam a universidade, se espremia em volta da passarela com seus looks, jóias e relógios de grife, se jogava sobre os modelos, explodia champagne de primeira linha e tirava selfies bastante ousadas. O dinheiro arrecadado pelo evento-ostentação, no entanto, vai para uma causa nobre: a luta contra o câncer.

Se a futura ocupante do trono mistura uma versão genérica do carisma da sogra com o controle e o conservadorismo representado por Elizabeth II, a nova elite de súditos é também bastante previsível. São uma encarnação “rei do camarote” da antiga fórmula que une nome, dinheiro, orgias privadas, verniz caridoso e gritos patriotas  de “Deus salve a Rainha”.

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