Política

Após Câmara salvar Temer, Janot dispara últimas flechas de seu mandato

A um mês e meio de deixar cargo, procurador-geral corre para apresentar nova denúncia contra o peemedebista antes de ser substituído por Raquel Dodge

Segunda na lista tríplice, Dodge foi a escolhida de Temer para substituir Janot
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Enquanto a Câmara dos Deputados analisava a denúncia contra Michel Temer por corrupção passiva, Rodrigo Janot, procurador-geral da República, movimentava as peças de seu tabuleiro de xadrez para avançar novamente sobre o “rei”, salvo por seus “súditos” na quarta-feira 2.

Às 16h42 do mesmo dia, Janot pediu ao Supremo Tribunal Federal que incluísse o peemedebista no rol de investigados em um inquérito já instaurado contra 15 parlamentares do PMDB da Câmara. Janot solicitou ainda que os ministros Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência, escudeiros de Temer, sejam investigados no mesmo processo.

Com o pedido, feito após uma solicitação da Polícia Federal, Janot procura um atalho para vincular relatos das delações da JBS sobre a atuação de Temer à frente do PMDB da Câmara com as investigações já em curso contra políticos e operadores do grupo, entre eles o ex-ministro Henrique Eduardo Alves, o doleiro Lúcio Funaro, o líder do governo no Congresso, André Moura, e o lobista Fernando Baiano.

O inquérito em curso relaciona-se com parte das delações de JBS que apontam para a atuação do grupo de Temer em desvios no Fundo de Investimentos do FGTS, representado pela Caixa Econômica Federal.

Enquanto municia a investigação em curso, Janot prepara uma segunda denúncia contra Temer baseada nas delações de Joesley Batista e de executivos da JBS. O grupo de trabalho da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República trabalha para apresentar mais uma peça contra Temer, que incluirá tanto a acusação de organização criminosa quanto o crime de obstrução da Justiça, ambos relacionados à gravação de uma conversa com Temer entregue por Joesley aos investigadores.

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Derrotada na Câmara, a denúncia por corrupção passiva relacionava-se à estreita relação entre Temer e Rodrigo Rocha Loures, o “homem da mala”. Segundo Janot, a entrega da mala de 500 mil a Loures, flagrada pela Polícia federal, era proveniente de um acordo de propina com a JBS que teria como beneficiário final o próprio presidente.

Na nova denúncia, a Procuradoria pretende explorar principalmente a narrativa de Joesley sobre a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e de Funaro, ambos presos, com o suposto objetivo de impedi-los de assinar uma delação contra Temer. A estratégia de manter a dupla calada parece ter falhado: ambos negociam um acordo de colaboração com o Ministério Público atualmente.

No áudio entregue por Joesley às autoridades, o empresário dá a entender que está pagando uma mesada à dupla. Temer replica: “Tem que manter isso, viu?”. No mesmo encontro registrado em áudio, Joesley também relatou a Temer que tinha relações com dois juízes e um procurador em Brasília para obstruir ações da Justiça. No diálogo, Temer não fez qualquer objeção à narrativa de Joesley, como também não comunicou a suposta tentativa de obstrução às autoridades policiais, o que pode ser visto como prevaricação.

O tempo de Janot é curto. Seu mandato terminará daqui a apenas um mês e meio, o que o obriga a acelerar a apresentação da segunda denúncia antes da ascensão de sua colega Raquel Dodge. Escolhida por Temer como sua substituta, ela foi a segunda mais votada na lista tríplice apresentada pela Procuradoria. Foi a primeira vez desde 2003 que a escolha do chefe do parquet não atendeu à preferência da maioria dos procuradores.

Há riscos de o próprio Janot ser alvo de ações judiciais por parte de investigados da Lava Jato assim que deixar o comando, como informou a coluna da jornalista Mônica Bergamo, da “Folha de S.Paulo”, nesta quinta-feira 3. Se as iniciativas contra Janot forem adiante, elas serão apresentadas ao Superior Tribunal de Justiça, pois o atual procurador-geral manterá foro privilegiado se seguir como subprocurador.

Com a escolha de Dodge, Temer pode ter influência sobre a Procuradoria para rever ou mesmo anular o acordo de delação firmado por Janot com a JBS e Joesley Batista. A proximidade da futura procuradora-geral com o ministro do STF Gilmar Mendes, um notório crítico da delação que atingiu Temer, também pode beneficiar o atual presidente.

Em julgamento sobre a homologação do acordo da JBS, Mendes sugeriu uma possível anulação do acordo caso se comprovasse que Joesley era “chefe de quadrilha”. Na legislação sobre acordos de colaboração, um chefe de quadrilha não pode ser beneficiado com redução da pena por contribuir com a Justiça.

Em reportagem recente, CartaCapital apurou que uma das pontes de Dodge com o Palácio do Planalto nos últimos tempos foi justamente Loures. Além do contato com o “maleiro”, a futura procuradora-geral teria ido ao Planalto para reuniões noturnas e secretas. E ao gabinete de Gilmar Mendes, conselheiro e advogado informal do presidente. Temer e Mendes jantaram na casa do ministro no dia da eleição da lista tríplice. 

Recentemente, Janot garantiu que “enquanto houver bambu, vai ter flecha”, ao se referir às novas acusações contra Temer a serem apresentadas antes do fim de seu mandato. Embora ainda haja “bambu” em abundância, ou seja, matéria-prima para “denúncias-flechas” da Procuradoria contra Temer, o próximo cacique não parece disposto a travar com o mesmo empenho a guerra contra as tribos do Executivo e do Legislativo.

Não há dúvidas de que haverá bambu suficiente para Dodge disparar flechas após o fim do mandato de Janot. Resta saber se o alvo continuará a ser o atual presidente e a classe política, ou o próprio trabalho do atual procurador-geral. 

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